17 de fevereiro de 2007

Nos 20 anos da partida de Zeca Afonso, por Helena Langrouva

Um trabalho antigo a refundir e um projecto avançado, a aguardar apoio. No próximo dia 23 de Fevereiro passam vinte anos sobre a morte de Zeca Afonso. Parece que o tempo tem contribuído para guardar a sua memória. Porque não está esquecido, nos jornais, nos meios de comunicação social, nas sessões de homenagem.

Quando, em 1978-1979, eu preparava, na Universidade de Paris III - La Sorbonne Nouvelle - a minha pós-graduação - D.E.A - em Estudos Portugueses e Brasileiros- opção Literaturas, no qual se estudava, com o prestigiado Professor Raymond Cantel, literatura de cordel brasileira e poesia popular brasileira, propus fazer uma sessão de seminário sobre a poesia cantada do cantautor José Afonso. Fiz um trabalho de pesquisa e reflexão sobre a obra de José Afonso que não chegou a ser publicado nem em francês nem em português nessa época. Já me foi pedido recentemente que refundisse e actualizasse o texto para ser publicado nas duas línguas. Os inúmeros compromissos que me têm ocupado nestes últimos anos em que, trabalhando sempre sozinha, publiquei finalmente quatro dos meus livros - que reúnem trabalho de uma vida - e trabalhei durante um ano para o volume de Homenagem ao Professor Luís de Sousa Rebelo- Humanismo para o nosso Tempo, não me foi possível tirar uns meses para refundir e actualizar esse meu trabalho sobre José Afonso. Espero fazê-lo ao longo deste ano, depois de concluir entretanto outros compromissos que ainda me esperam.

Entretanto, em 2000, elaborei todo um projecto diferente sobre José Afonso que foi reelaborado e refundido em 2005-2006, para o qual tive, em 2006, o apoio do Prof. Mário Vieira de Carvalho, Secretário de Estado da Cultura. O projecto não foi para a frente em 2006 - era para sair em 2007, nos vinte anos da morte de José Afonso - por falta de subsídios e porque os músicos que convidei para trabalhar comigo exigiam ser muito bem pagos. Tenho esperança de conseguir, através de uma Associação que me apoie, a aquisição de fundos para que tão belo projecto se realize.

Procurei conhecer José Afonso para me ajudar no meu trabalho sobre a sua obra. Eu vivia no estrangeiro e vinha passar férias a Sintra. Então lembro-me de um amigo o acompanhar um dia, no verão de 1978, a Sintra, para nos encontrarmos e falarmos sobre a sua obra. Já a sua saúde começava a ficar debilitada, mas a chama da sua alma do maior génio da música popular portuguesa espraiava o seu fulgor até ao fim, em encontros que se prolongaram durante alguns anos. Esses encontros cimentaram a procura de entendimento da sua obra e contribuíram inesperadamente também para eu ser por ele reconhecida como a pessoa diferente de todas as que o rodeavam - "amiga súbita e diferente", escreveu na dedicatória de um dos livros das suas canções, então editado por Viale Moutinho. Diferente, penso eu - nunca lhe perguntei a razão - porque estava apenas comprometida comigo própria a tentar entender a sua obra para também a transmitir nas minhas aulas, no tempo em que fui leitora na universidade de Rouen, França, e para escrever o melhor possível o meu estudo.

De regresso a Portugal, eu morava em Colares - Sintra e, ao tentar experimentar todos os graus de ensino, concorri para ser professora de Português e História do então Ciclo Preparatório, na escola Sarrazola, Colares. Para grande surpresa dos meus colegas, uma boa parte das minhas aulas de português, para crianças e jovens adolescentes do ciclo preparatório era o estudo, seguido de canto em coro de canções de Zeca Afonso que ecoavam pelos corredores da Escola. Não me livrei de comentários, porque as pessoas não entendiam por que razão eu tomava esta liberdade. Não raro os alunos diziam no início de cada aula: "Então, stora, qual é a canção para hoje?" E deliciavam-se com a beleza e o sentido profundo das palavras, as melodias a que eram tão permeáveis.

No fim do ano escolar de 82-83, a escola Sarrazola de Colares organizou uma festa no espaço de uma antiga colónia de férias que pertencia então à Quimigal, perto de Almoçageme. Como os ouvidos de toda a gente já se tinham habituado às canções de Zeca Afonso, cantadas em coro pelos meus alunos, pensei que o melhor seria levar folhas para distribuir pelas cerca de quinhentas pessoas entre alunos, professores e funcionários da escola, para a nossa festa. Os meus alunos acharam que era uma excelente ideia. Então eles constituíram-se em vários núcleos espaçados no meio de todos os outros e distribuíram as folhas com as canções de Zeca Afonso, por colegas, professores e funcionários. Para grande alegria e surpresa nossa conseguimos - os meus alunos e eu - pôr toda a escola Sarrazola de Colares a cantar em coro canções de Zeca Afonso. Ele também recebeu esse documento que foi distribuído na festa e soube com muito agrado deste acontecimento que em princípio terá sido único, pelo menos até àquela data, em Portugal. Para mim foi uma experiência extraordinária pôr toda uma escola a cantar.

Estudei canto popular, canto litúrgico, canto gregoriano e canto lírico muito a fundo, ao longo da vida, lutei com muitas dificuldades, tudo à minha custa, com muitas vicissitudes para arranjar acompanhadores, mas nunca desisti, participei em concertos. Em França, os meus amigos gravaram muito do que eu cantava a solo.

O meu maior respeito pela presença única de José Afonso como cantor e autor levou-me a não lhe dizer que eu também cantava. Limitei-me a ouvir o que ele dizia já para o fim da sua vida, quando, para o seu último disco- Galinhas do Mato- convidou cantores e cantoras para cantarem algumas das canções que ele já não podia cantar. E ele dizia, a propósito de uma canção cantada por Helena Vieira: "Afinal escrevo canções que dão para todo o tipo de vozes, até de pessoas, como a Helena Vieira, que cultivam o canto lírico clássico". Esse foi um dos discretos desafios, entre muitos outros que Zeca Afonso me deixou para sempre.

Espero que os meus dois projectos sobre José Afonso avancem e possam sair até finais deste ano de 2007 ou mais tarde, se for possível e se conseguir apoio financeiro, através de uma Associação que me ajude para este fim. Fica aqui o apelo.

Helena Santos C. Langrouva (14.02.2007).

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