22 de fevereiro de 2007

Nostalgia de Zeca

No momento em que se assinalam os 20 anos do desaparecimento de Zeca Afonso, os amigos e as instituições relembram um dos ícones de Abril, a vida do homem e do cantor e a sua luta pela liberdade de expressão. Rotulado com um homem simples e humilde e considerado um dos maiores nomes de sempre da música portuguesa, que deve ser lembrado todos os dias, Zeca Afonso é recordado pelos mais jovens como um grande cantor, poeta e compositor. O cantor Zeca Afonso, que viveu muitos anos em Setúbal, desapareceu há 20 anos. Esta importante figura do 25 de Abril, autor da célebre canção “Grândola Vla Morena”, uma das senhas da Revolução dos Cravos, desempenhou um papel fundamental na luta contra a ditadura e a liberdade de expressão, antes e pós 25 de Abril. Os seus amigos mais próximos rotulam-no de «simples e humilde» e uma «figura ímpar da cultura nacional». Dimas Soares, um grande amigo do cantor, revela que conheceu o Zeca Afonso por volta de 1967, numa altura em que o artista tinha regressado de Moçambique, depois de uma visita aos pais. O encontro aconteceu num serão musical que se realizou no Clube de Campismo de Setúbal, onde o Zeca estava a tocar e a cantar para várias pessoas. Nessa ocasião, recorda, Zeca Afonso «dava aulas de História» no Liceu de Setúbal. A sua expulsão do ensino, protagonizado pelo antigo regime, lançou o cantor para o desemprego, o que o obrigou a viver apenas da música. «Como ele tinha inúmeras cantigas feitas e registadas na Sociedade Portuguesa de Autores, ganhou muito dinheiro com isso», sublinha Dimas Soares, que acrescenta que «muitos dos concertos» que o cantor dava, eram de «borla», porque ele, acima de tudo, pretendia passar uma mensagem de «humanismo, liberdade e fraternidade» às pessoas. De acordo com o responsável, Zeca Afonso, depois de ter falecido, ainda foi «perseguido», isto porque a maioria das rádios «evitavam passar» as suas músicas. Já Victor Serra, outro amigo pessoal do cantor e ex-presidente do Círculo Cultural de Setúbal, realça que a única iniciativa que se fez na cidade, durante 9 anos, em homenagem à figura foi o “Cantar José Afonso”. «De resto, o Zeca, uma figura ímpar da cultura portuguesa, sempre foi muito esquecido em Setúbal», frisa o responsável. Na sua óptica, Zeca Afonso «não era sectário», porque dava-se «bem com toda a gente». E lamenta que algumas entidades da terra se «aproveitem politicamente» dele para «tirar dividendos partidários». Victor Serra refere que o Zeca Afonso foi um «lutador contra o sistema da ditadura» e que «não deve ser apenas relembrado quando faz anos de morto». Por seu turno, Alípio de Freitas, presidente da Associação José Afonso, afirma que o cantor é uma das pessoas «mais importantes» do país e um «verdadeiro português», antes e após o 25 de Abril, na luta pela «liberdade de expressão». O historiador José Hermano Saraiva, que confessa que não conheceu de perto Zeca Afonso, não tem dúvidas da popularidade do cantor. «Teve uma grande celebridade no seu tempo e estava muito ligado a factores políticos», frisa. Todavia, o professor considera que o artista foi «inteiramente politizado». Na sua opinião, vários partidos de esquerda fizeram dele «um emblema político», o que, sublinha «mata qualquer artista».

Histórias de vida simples e humilde


O músico Dimas Soares, um grande amigo do autor de “Grândola Vila Morena”, conta que o conviveu muito perto com Zeca Afonso. Além de ter participado com ele na gravação de um disco, através do seu acordeão, em finais dos anos 70, a convite do próprio Zeca, Dimas Soares costumava ficar com os filhos do Zeca quando este se deslocava para o estrangeiro, porque havia «uma grande afeição com a nossa família», frisa. E conta ainda que na sua casa do Quebedo, o artista costumava receber «constantemente muitos amigos», devido à sua popularidade. Mas, nos dias em que estava muito cansado, procurava refugio na casa do amigo Dimas. Uma vez teve de pernoitar no Hotel Esperança porque «estava fatigado e precisava de se afastar um pouco» dos amigos. Mas foi o seu amigo Dimas que lhe pagou as despesas da sua estadia na unidade hoteleira, porque o cantor «não costumava andar com muito dinheiro» no bolso, dado que era a sua mulher Zélia que «geria as finanças». Dimas Soares conta ainda que quando Zeca Afonso, «simples, humilde e de grande humanismo», foi libertado pela PIDE, foi ele próprio que o foi buscar a Lisboa, com a sua esposa Emília. «Ele estava calmo e disse-me que lhe fizeram muitas perguntas».

Nova geração enaltece símbolo de Abril


As gerações mais jovens da região conhecem bem o cantor e realçam que Zeca Afonso foi um dos grandes símbolos da Revolução dos Cravos. Carla Santos, estudante na Escola Secundária da Bela Vista, refere que Zeca Afonso foi um «grande cantor, poeta e compositor», tendo criado uma das «senhas do 25 de Abril». Por seu turno, o estudante Pedro Miguel Silva, residente em Azeitão, realça que Zeca Afonso já serviu de mote para um trabalho de grupo que teve de elaborar na escola. Conta que o pai tem discos dele e que o cantor se dedicou à «música durante catorze anos», tendo gravado «28 discos e feito mais de trinta cantigas». Já Susana Garcia, considera que a figura popularizou-se através das «canções de intervenção» e tornou-se uma figura «emblemática do espírito de resistência ao fascismo».

Comemorações a ‘meio gás’


Em Setúbal, como é tradição, realiza-se a romagem ao túmulo do cantor no cemitério ‘velho’, no dia 23, às 16 horas, numa organização da Associação Musical Recreativa 8 de Janeiro, de Alhos Vedros. A cerimónia inclui a deposição de coroas de flores, apresentação de estandartes e discursos. No dia seguinte, às 22 horas, o bar Eleven´s Coffee organiza um concurso de poesia. A entrega de trabalhos deve ser feita por correio, pessoalmente ou por intermédio do e-mail: elevens@sapo.pt. A Associação José Afonso, sedeada em Setúbal, não vai organizar qualquer iniciativa, porque o seu presidente Alípio de Freitas entende que se deve respeitar a vontade da viúva do cantor. «É um dia em que ela quer estar com a memória em descanso e acho que devemos respeitar o silêncio e a vontade dela». Todavia, em Guimarães, o Centro Cultural, presidido por Tino Flores, um velho companheiro do Zeca, vai levar a cabo uma homenagem ao cantor e um concerto no dia 23.

Região de Setúbal online
António Luís 2007-02-16

1 Comment:

Anónimo disse...

Olá, pertenço a um meio de comunicação e gostava de poder falar convosco pois estamos com um trabalho sobre Zeca Afonso e precisavamos de alguns contactos se é que nos podem disponibilizar.
Agradecia o contacto para mariabazzo@gmail.com
Desde já agradecida
Maria Bazzo