23 de fevereiro de 2007

Uma referência 20 anos depois

Músicos de todos os géneros enaltecem a obra pioneira de Zeca Afonso na música contemporânea portuguesa e continuam a beber na sua obra. Uma referência com profundo sentido lírico e intervencionista que ainda hoje faz escola. Desapareceu há vinte anos. Zeca Afonso é uma referência da música popular portuguesa que deixou canções com um profundo sentido do lirismo, afirmaram à agência Lusa músicos de gerações posteriores à do cantautor, que faleceu há vinte anos.A cantora Filipa Pais tinha 19 anos quando Zeca Afonso morreu e recorda-se dele desde a infância. “O Zeca faz parte do meu crescimento e não imagino a música popular portuguesa sem ele”, referiu a intérprete de “À porta do mundo”, álbum com o qual venceu o prémio José Afonso em 2003. Para Filipa Pais, Zeca Afonso tem sido pouco recordado, tirando efemérides como a que se assinala sexta-feira, à passagem dos 20 anos da morte do cantor. “Não passa na rádio, ninguém fala dele e no entanto é a maior referência da música popular portuguesa”, sublinhou.José Afonso, falecido a 23 de Fevereiro de 1987, aos 57 anos, está entre os que fizeram da canção um meio de intervenção. Começou por gravar fados e baladas de Coimbra, mas viria a ser conhecido sobretudo pela interpretação de canções cuja mensagem era tão importante como a melodia, muitas vezes com origem na tradição portuguesa e africana.Sam the Kid, 27 anos e um dos nomes do hip hop nacional, disse que gosta da voz “meio sofrida” de Zeca Afonso, embora nem sempre entenda a mensagem das letras. “É uma música excelente, mas há metáforas escondidas em que eu não percebo tudo”, referiu o músico, que já utilizou nas suas composições excertos de músicas, por exemplo, de Carlos Paredes, e de “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso.Se hoje fosse vivo, José Afonso talvez gostasse de hip hop, defende Sam The Kid, que traça um paralelismo entre o trabalho do compositor e este género musical, na tentativa de passar uma mensagem. “O Vitorino disse-me um dia que achava que nós no hip hop tínhamos uma linguagem mais directa e que conseguíamos comunicar mais do que no tempo deles”, recorda o músico.~

No estrangeiro

Zeca Afonso gravou em Londres, Madrid e Paris, sempre de olhos postos na realidade portuguesa, ainda antes da revolução de Abril. Entre 1970 e 1974 lançou “Traz outro amigo também”, “Cantigas do Maio”, “Eu vou ser como a toupeira” ou “Venham mais cinco”. Em Março de 1974 actuou no Coliseu de Lisboa, ao lado de Adriano Correia de Oliveira, Fernando Tordo e Manuel Freire, cantando “Grândola, Vila Morena”, o tema que serviria de senha um mês depois para a revolução.O álbum “Cantigas do Maio”, considerado um dos melhores de Zeca Afonso, é também uma referência para Teresa Salgueiro, dos Madredeus. “Não tinha muitos discos dele e não era uma seguidora muito atenta, mas os meus pais tinham o `Cantigas do Maio¦ que eu cantava muitas vezes”, recorda a cantora.Em 1994, os Madredeus fariam uma versão do tema “Maio Maduro Maio”, para a colectânea “Filhos da Madrugada”, refere Teresa Salgueiro, para quem a morte de Zeca Afonso foi “prematura”, porque “ele fez muito pela cultura portuguesa”. O “profundo sentido do lirismo” é elogiado em declarações à Lusa por JP Simões, músico que canta a geração de 1970 embalado pela guitarra acústica com tons de bossa-nova. Apesar de só ouvir Zeca Afonso há pouco mais de uma década, JP Simões reconheceu que “não há muitas músicas [como as de Zeca] onde as letras sejam tão importantes”, destacando canções como “Maio Maduro Maio” e “Que amor não me engana”.

Participação cívica

Depois da revolução de Abril, Zeca Afonso participou em vários movimentos populares, editou “Com as minhas tamanquinhas”, “Enquanto à força” e “Fura Fura”.Em 1983 voltou a actuar no Coliseu de Lisboa, acompanhado de vários amigos e artistas, mas não chegou a interpretar todas as canções, por causa da doença que o vitimaria quatro anos depois.Em 1985, ainda lançou “Galinhas do mato”, o seu último álbum. Zeca Afonso conferiu à música e à canção popular portuguesa, “de forma inédita e até agora única, um valor social e cultural até aí praticamente inexistente”, qualificou o etnomusicólogo António Tilly dos Santos.

Davide Zaccaria cria projecto

O compositor Davide Zaccaria criou um projecto musical em que pretende fazer confluir cantoras de formações musicais distintas, tendo como pano de fundo a música de José Afonso.“Terra d’Água” é o título do projecto, que junta as cantoras portuguesas Dulce Pontes, Filipa Pais e Lúcia Moniz e as espanholas María Anadon e Uxía. O projecto, cujo álbum é editado precisamente hoje, é um tributo ao músico e poeta que foi José Afonso. Para Zaccaria, recriar o repertório do autor de “Grândola, vila morena”, foi “relativamente fácil” por estar já habituado a ele e“corresponder a uma paixão”. “Tenho tocado e feito arranjos para canções do Zeca, quer com o meu grupo, quer com Dulce Pontes, até neste seu recente trabalho”,assinalou. Relativamente a este projecto, esclareceu ter procurado “apresentar José Afonso fora da simbologia política e dar mais atenção à vertente de compositor”.María Anadon interpreta “A morte saiu à rua”, um poema de homenagem ao escultor José Dias Coelho, assassinado a 19 de Dezembro de 1961, em Lisboa, pela PIDE. De Luís de Camões, com música de José Afonso, Uxía interpreta “Verdes são os campos” e Lúcia Moniz “Que amor não me engana”.Filipa Pais, que já interpretou temas de José Afonso,nomeadamente quando fez parte do grupo Lua Extravagante, canta “Eu dizia”. Dulce Pontes, que também no seu primeiro álbum, “Lágrima”, revisitou o repertório, canta “Coro da Primavera”. Todas estas canções “pertencem ao imaginário colectivo e são uma inspiração para muitos artistas”. “Pretende-se também recuperar e/ou redescobrir músicas menos escutadas”, acrescentou.Das três músicas inéditas, Zaccaria interpreta “Terra de Zeca”, um tema de sua autoria inspirado na música de raiz popular composta por José Afonso.


2 Comments:

Anónimo disse...

Zeca, Sempre!

Anónimo disse...

fixxxxxxxxxxxxeeeeeeeeeeeeeeee