2 de abril de 2007

Zeca Afonso – O Professor “Indisciplinador de almas”

Decidi relembrar o Zeca Afonso como professor, uma vez que o poeta e o músico têm um lugar ímpar no panorama da cultura musical portuguesa e são por todos reconhecidos.

“DURANTE O EXERCÍCIO DO PROFESSORADO, COLHI A MINHA EXPERIÊNCIA DE VIDA MAIS IMPORTANTE.”

“TENTEI ASSUMIR A FUNÇÃO DE PROFESSOR, QUE NÃO TINHA NADA A VER COM A TRADICIONAL.

RECORDO-ME QUE TINHA GRANDES DIFICULDADES EM CONCILIAR OS DOIS ASPECTOS: A DISCIPLINA E O DIÁLOGO. OS ALUNOS CHEGAVAM-ME REPRIMIDOS POR UM DETERMINADO SISTEMA DE ENSINO E VINHAM DESCARREGAR AS TENSÕES DAÍ RESULTANTES PARA AS MINHAS AULAS.

A MAIOR PARTE DESSES ALUNOS ACEITAVA O PROFESSOR DENTRO DOS MOLDES TRADICIONAIS, REPRESSIVOS E AUTORITÁRIOS, E NÃO DAVAM CRÉDITO AO PROFESSOR QUE SE PUNHA NUMA POSIÇÃO DE DIÁLOGO. ESPECIALMENTE EM MANGUALDE (1956)…”

José Afonso


REGISTO BIOGRÁFICO:

Em fins da década de 40, já aluno de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras de Coimbra, destaca-se, à semelhança do irmão, como cantor de fados.

1955-56 - Professor em Mangualde

No ano lectivo 1955/56, para assegurar o sustento da família, e embora não tendo ainda concluído o curso, começa a dar aulas num colégio privado em Mangualde.

1956-57 - Professor em Aljustrel

Foi professor de História e Geografia no Externato D. Filipa de Vilhena, em Aljustrel.

Em 1957/58 é professor em Lagos, seguindo-se nos anos subsequentes Lagos, Faro, Alcobaça e de novo Faro.

No arquivo da Escola Secundária Gil Eanes, em Lagos existem alguns documentos que comprovam a sua passagem como professor desta cidade.

Segundo a documentação «pode comprovar-se que os anos de 1957/58 foram tempos difíceis para José Afonso.

Antes de poder leccionar nesta cidade algarvia, é enviado para aquele estabelecimento, então Escola Industrial e Comercial de Lagos, um documento do Ministério da Educação confirmando que José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos estava apto para dar aulas; contudo, Zeca terá sido «obrigado a assinar um documento onde declarou, pela sua honra, que não pertencia nem jamais pertenceria a associações ou institutos secretos».

1958/59 - Professor em Faro.

Nas praias do Algarve. Zeca falava de «fase de euforia, uma das mais felizes da sua vida».

Na Fuzeta, monta a sua «tenda contemplativa», percorre quilómetros à beira-mar, às vezes vai directamente para a escola, a pingar.

Uma das suas grandes paixões, o ensino:
«Queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutir-lhes o espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais.»

1959/60 - Foi neste período (1959 -1960) professor de Francês e de História na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.

1960/61/62 - Professor em Faro.

Escola Industrial e Comercial de Faro (hoje Escola Secundária Tomás Cabreira), professor de francês no Curso Geral de Comércio

José Afonso segue atentamente a crise estudantil de 1962. Em Faro convive com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Manuel Pité, e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher e com quem terá mais dois filhos, Joana e Pedro.

É José Afonso quem nos diz: «O conhecimento da Zélia, num lugar do Algarve, reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores. Passei a fazer canções maiores».

Em 1963, conclui a licenciatura na Faculdade de Letras de Coimbra com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: "Implicações Substancialistas na Filosofia Sartriana".

1964-67 - É professor na Beira;

Vai para Moçambique com Zélia;

Nos últimos dois anos, dá aulas na Beira.

Aqui musicou Brecht na peça A Excepção e a Regra. Em Moçambique nasce a sua filha Joana (1965).

«Se houve alguma coisa em África que me marcou definitivamente foi a realidade colonial. Quando eu parti ia preparado para enfrentá-la: sabia quais os seus contornos e o papel que me cabia como professor, quais os alunos que ia ensinar. Sabia também que ia ser um veículo de transmissão ideológica de uma classe dominante. (...)

Fiquei terrivelmente ligado àquela realidade física que é a África, aquilo tem de facto qualquer coisa de estranho, uma força muito grande que nos seduz. O meu baptismo político começa em África. Estava a dois passos do oprimido».

1967/68 - Professor em Setúbal;

É colocado como professor em Setúbal (dava aulas de História» no Liceu de Setúbal), e a par das funções lectivas começa a aceitar convites para cantar em colectividades da Margem Sul. Fica sob a mira da PIDE que o passa a chamar com relativa assiduidade para prestar declarações no posto de Setúbal.

Sofre uma grave depressão que o leva a ser internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas. Quando sai da clínica, recebe a notícia de que tinha sido demitido do ensino oficial.

O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José Afonso recusa invocando a sua condição de classe.

«Nunca fui um indivíduo com certezas dogmáticas acerca de grupos ou partidos preferenciais. Comecei por me relacionar, sobretudo na Margem Sul, a associações de estudantes fortemente politizadas, por um lado, e a determinadas organizações políticas, como por exemplo os Católicos Progressistas, por outro. Achava que todos aqueles grupos eram necessários para formar um movimento que conduzisse ao derrube do poder. Qual seria depois o partido ou organização que surgiria após o derrube do poder, não sabia.»

É excluído do ensino oficial por razões políticas.

Expulso do ensino, em 1968 dedica-se a dar explicações e a cantar com mais assiduidade nas colectividades da Margem Sul.

Pelo Natal, edita o álbum Cantares do Andarilho, com Rui Pato, primeiro disco para a Orfeu. O contrato é sui generis: contra o pagamento de uma mensalidade (15 contos), José Afonso é obrigado a gravar um álbum por ano.

APÓS O 25 DE ABRIL DE 1974 - Nesses meses («essa coisa magnífica que foi o PREC»), percorre o país de ponta a ponta, num sem fim de «sessões», «acções de dinamização», «campanhas de alfabetização».

Zeca assume a liberdade de uma forma plena, inebriante e intensamente fraterna. Realiza milhares de sessões, apoia as mais diversas lutas. Realiza várias sessões no estrangeiro, nomeadamente Brasil, França, RFA, Moçambique e Angola.

É reintegrado no ensino.

1993 - é publicado no Diário da República a designação de Escola Secundária Dr. José Afonso, em homenagem ao professor-poeta-cantor e resistente antifascista, no Seixal.

"Fui cantor porque deixei de ser professor e finalmente sou coisa nenhuma porque deixei de ser cantor".

Pensando que o ZECA foi professor... voltei o meu esforço de divulgação para os meus alunos, que não o conheceram e para quem estou a preparar um conjunto de actividades com vértice na obra de José Afonso. EM ABRIL…

Olinda Gil

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