4 de maio de 2006

Carlos Paredes, Pasolini e Edgar Pêra



Pasolini queria contratar o guitarrista


"Movimentos Perpétuos - Tributo a Carlos Paredes" é um filme que revela uma série de histórias curiosas da vida do compositor. Num depoimento, José Jorge Letria, o jornalista e músico, revela surpresa com que Carlos Paredes recebeu a proposta que lhe foi feita por Pier Paolo Pasolini. Em 1975, o cineasta italiano assistiu em Roma a um concerto do músico português e, no final, foi ter com ele e convidou-o para fazer a banda sonora do seu próximo filme. O projecto não se concretizou porque Pasolini seria assassinado pouco tempo depois. Edgar Pêra regista ainda o depoimento de um dos colaboradores mais próximos de Carlos Paredes, que conta como, a seguir a um concerto, o músico tocou para o recepcionista do hotel onde se encontrava alojado só porque o homem lhe confessou ser um admirador da sua música e não ter conseguido arranjar bilhetes para o concerto. E há um outro amigo de Paredes que evoca os tempos em que ele, aquando da sua prisão a mando da PIDE, a polícia política do antigo regime, preencheu os 18 meses de cárcere, no forte de Caxias "a dedilhar num pente ".

E depois, é a voz do próprio Paredes que afirma "não há ninguém tão original que possa desfazer-se de toda a herança que veio até às suas mãos".


Carlos Paredes inédito em vídeo de Edgar Pêra

O filme foi construído ao longo de 16 anos e contém imagens inéditas de Carlos Paredes captadas desde 1990. O projecto original é do cineasta Edgar Pêra e foi ontem exibido em projecção privada pela primeira vez. Chama-se "Movimentos Perpétuos - Tributo a Carlos Paredes" e fixa um novo olhar sobre a vida e a obra daquele que é considerado o mais genial dos intérpretes da guitarra portuguesa, falecido a 23 de Julho de 2004.

A primeira projecção pública está marcada para o próximo dia 22, no âmbito do Indie Lisboa- Festival Internacional de Cinema Independente. A estreia comercial deverá ocorrer a 4 de Maio.

Partindo de um concerto realizado pelo guitarrista no Auditório Carlos Alberto, no Porto, em 1984, Edgar Pêra capta em imagens de vídeo Super 8 testemunhos de vária personalidades entrecortados pela narrativa límpida e humorada do próprio Carlos Paredes. Em jeito de improviso, fixa imagens de rios, pontes, gentes, cidades, luzes. Tudo isto num registo intimista, marcado pela simplicidade e sublinhado pela música intemporal de Paredes.

O filme, repartido em 17 movimentos, inicia-se com a memória do concerto no Porto. Ouve-se a voz de Paredes confessar que a cidade "exerceu uma profunda influência na minha forma de tocar", a exemplo do que aconteceu com a sua Coimbra natal ou com a Lisboa de adopção. Edgar Pêra regista, ao longo de 70 minutos a história e as histórias de vida do músico português. Dos seus desassossegos com o facto de a guitarra "ser um instrumento que se desafina com facilidade" - bastando para isso uma simples mudança meteorológica -, das suas memórias sobre a musica do avô e do pai, Artur Paredes, dos seus afectos pelas três cidades a que mais intimamente se ligou, da sua atempadamente interrompida carreira de fadista que só sabia cantar o fado Hilário...

À narrativa de Paredes juntam-se depoimentos de diversas personalidades, como o musicólogo Rui Vieira Nery, que sobre o homenageado lembra "o domínio da linguagem musical com uma gramática melódica pessoal e coerente". Contam-se também relatos de Paulo Rocha, realizador de "Os verdes anos", dos jornalistas José Carlos Vasconcelos e José Jorge Letria e do pintor moçambicano Malangatana, que foi desafiado por Paredes a pintar ao vivo durante um concerto.

Ao longo dos 17 movimentos - a que Edgar Pêra chamou "Improviso", "Os sentimentos", "O canto do rio", "Pelo mundo fora" "Canto do amor", "O país", "Canto de rua", "A minha terra", "Cinema "Melancolia dourada", "Vida mudar", "Guitarra gente", "Canto do trabalho", Resistência, "O monumento" -, o cineasta evoca o homem que tocava música "cheio de entusiasmo profundo e nostalgia do futuro" . Nos derradeiros minutos, a película regista ainda, por breves momentos, o ensaio para um espectáculo conjunto de Paredes com o músico espanhol Paco Ibãnez. Tudo isto vem acompanhado por excertos de espectáculos em que era secundado pela sua companheira de sempre, a mulher Luísa Amaro, e pelo guitarrista Fernando Alvim.

Ana Vitória

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