28 de julho de 2006

António Pedro Vasconcelos sobre o Zeca

«Morra um homem. Fique a fama». (Zé do Telhado)

Era um senhor. Desprendido e simples.
Arrogante e firme. Um aristocrata. De uma espécie em vias de extinção: um homem livre.
Quis um pano vermelho a cobrir-lhe o caixão, porque era fiel, como os partisans do poema de Aragon -, mas sem insígnias, porque, se ele serviu de bandeira a muita gente, a muitos grupos e partidos, a quem emprestou a voz, a bolsa e a vida, não pertencia a ninguém. Era de uma espécie em vias de extinção: um homem livre, solitário e fraterno.
E ademais um poeta. Um grande poeta lírico, - da família de Nobre e Camões. Um cantor -, como Dylan e Ferré. Tão grande ou maior do que eles todos, como pretendia Paco Ibanez? Talvez, mesmo se uma doença traidora e a má sorte de nascer em Portugal, . que ele tanto e tão bem amou, lhe fecharam tão cedo os horizontes.
Berlioz fez adoptar a «Marselhesa» pelo povo de Paris, nos dias eufóricos de Julho; ele compôs a «Grândola» em comunhão clandestina com o povo, que a iria adoptar nos dias memoráveis de Abril. É ela, e não a «Portuguesa», o nosso Hino Nacional.
Dizem que teve dúvidas, hesitações, desalentos. Era o sinal da grandeza. Mas não baralhava os inimigos: a miséria e o medo, a mentira e o abuso.
Nestes tempos de promiscuidade e memória curta, em que uma espécie de SIDA moral começa a contaminar tudo e todos, ele disse sempre de que lado estava, sem ambiguidades. Era um homem de esquerda, irredutível, irreconciliável. Um exemplo.

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