6 de agosto de 2006

''A música é apenas música. Não serve para nada. Se eu tiver alguma coisa a dizer, digo" Tony Allen

Tony Allen não gosta de dar en­trevistas. Diz: "Não tenho nada a di­zer". Os seus olhos parecem fixar um ponto longínquo, com uma expressão de profundo azedume. "Eu inventei o 'afrobeat"', acaba por admitir, depois de bombardeado com perguntas sobre FeIa Kuti e o movimento por ele iniciado na Nigéria. "O 'afrobeat' é um padrão de bateria. Mais nada. Há muitas bandas que dizem tocar 'afrobeat'. Mas só o fazem seforem capazes de produzir este padrão, que eu inventei".
Tony Allen vive em Paris e tem uma carreira cheia de êxitos, desde que deixouosEgypt80eaN~ géria. É considerado um dos melhores bateristas mundiais. Para ele, o "afrobeat" não tem nada de político.

Pergunta: Nem nos anos 70, em Lagos? (Afinal sempre dá uma entre­vista).
"Eu toquei com Fela. Mas já não acredito que a música possa ter algum papel. A música é apenas música. Não serve para nada. Se eu tiver alguma coisa a dizer, digo. Nos meus discos ou noutro lado qualquer. Mas isso não tem nada a ver com a música".
As canções podem conter mensagens revolucionárias?
"Aqueles que têm poder para mudar o mundo, não são influenciados por canções. Podemos dizer as coisas um milhão de vezes, que eles não ouvem. Por isso, qual é o objectivo?"
Porque se mudou para França?
"Segui o meu destino. É toda a expli­cação que tenho para dar. Toda a gente tem direito a melhorar a sua vida. É um crime não ter ficado na Nigéria?"
Não, não... Mas o que significa para si voltar a tocar com os Egypt 80?
"É a banda de FeIa. Conheço-os todos".
Seun Kuti quer criar um movimento político, como o pai...
"Eu sou o Tony, não o Seun. Sou di­ferente. Não se pode fazer comparações. Eu vi o Seun nascer. Ele quer seguir as pisadas do pai. Eu não sigo as pisadas de ninguém. Tenho-me aguentado nos
meus próprios pés, toda a vida".
A sua música não é política.
"Não. A música é apenas música". A música não poderá influenciar as pessoas?
"E que vão as pessoas fazer? Têm armas nas mãos?"
Só com armas se pode fazer alguma coisa?
"Claro. São as armas que falam. Veja o que está a acontecer no Mé­dio Oriente. Acha que as pessoas que decidem os bombardeamentos ouvem canções? As pessoas que deveriam ouvir a mensagem não a ouvem".
Os artistas não têm nenhum papel.
"Não está provado que tenham. Eu, pelo menos, não quero perder o meu tempo. Os artistas podem falar de amor. JámesBrown, por exemplo. É militante? Não. Só fala de amor, amor, amor".
O amor pode ser militante, uma ideologia contra a guerra.
"Não vejo como. O amor é natural. Uma pessoa é amada ou não é amada. Ou se ama alguém ou não se ama nin­guém. Os israelitas estão a bombardear os árabes. São vizinhos, vivem juntos. Porque não se podem amar? É uma per­da de tempo. Ou se ama alguém ou não se ama ninguém".


Excerto do artigo "Reencontro em Sines" in Pública nº 532 - 6 de Agosto de 2006

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