1 de novembro de 2006

CANTIGA DE AMIGO - Alípio de Freitas

Falar de alguém que está sempre presente é muito, muito difícil. E ainda mais se esse alguém que, mais do que um amigo, é um irmão gémeo. É assim que me sinto quando tenho que falar ou escrever sobre o Zeca. Conhecemo-nos sem sequer nos termos visto. Ele, cantando para que a liberdade florescesse. Eu, lutando para que, de tão oprimida, não morresse. Tínhamos o Oceano pelo meio, não como distância, mas como caminho. Para a solidariedade, os muros de qualquer Fortaleza não existem. Quando, finalmente, nos encontrámos, descobrimos que tínhamos mil coisas a nos dizer. E foi sempre assim, até que ele partiu para outra viagem, para a Cidade da Utopia (quem sabe?), onde a cantiga é apenas um hino à fraternidade.

Digo que partiu e digo que ficou. Na memória, no afecto e no retrato que está aqui, ao meu lado, junto do Cardenal, do Cristo de Dali, do Che, do Gregorio Bezerra e dos companheiros da Fortaleza de Santa Cruz. Estamos todos aqui, nas fotos, na lembrança e na música, em diálogo permanente sobre o presente e sobre o futuro, aquele futuro do qual não desistiremos jamais... Esperem um pouco... Eu volto Já... Tenho de ir ao quintal respirar e conversar com as árvores porque o coração se me aperta com a presença-ausência do Zeca. E dos outros. E eu que pensava que a vida já me tinha endurecido o bastante para contrariar a emoção. Mas não.

Houve um tempo em que o mundo que ouviu o Zeca, talvez por má consciência, pareceu querer esquecê-lo. Mas as pessoas são como as sementes. Se são boas, quando descem à terra. frutificam, multiplicam-se por mil. Como o Zeca era uma boa semente, passado o Inverno e aparecida a Primavera explodiu em flores e frutos. E aí está, não apenas na voz dos amigos fiéis que sempre o cantaram, mas, mais que tudo, nas vozes de uma geração que nem sequer o conheceu. O Zeca acendeu uma luz que ninguém pode apagar ou deixar de ver. Sempre acreditei nisso. A luz, a fraternidade, a solidariedade, a amizade, a beleza, o amor, são difusivos por si mesmos. O mundo não pode passar sem eles. Por isso o Zeca estará sempre connosco.

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