Olhou-me surpreendido, quando, gravador ao peito, lhe pedi uma entrevista. "Porquê?
Para quê? Deixei-me dessas coisas”. Ia e vinha, naquele jeito desengonçado de andar. Apontava as malas aos bagageiros, à polícia de fronteira, nervoso. Fiquei por ali, esquecido, eu próprio a sentir-me guarda fiscal também, no porto de Lisboa (Cais da Rocha? AIcântara?, a memória retém apenas um balcão comprido num vasto recinto de tectos altos). "O Zeca Afonso regressa amanhã de Moçambique, vais fazer-lhe uma entrevista ao barco"; disseram-me na véspera - estávamos em Setembro - não sei se o Carlos Cruz, se o Fialho Gouveia, realizadores do programa PBX. Transmitido da meia-noite às duas, através do Rádio Ciube Português, o programa tinha vindo agitar as ondas conformadas do espectro radiofónico daquele 1967, levando os microfones para a rua, à procura de gente,de histórias, de vida.
José Afonso diz-me que há muito perdeu o contacto com a música, que era professor na Beira, e que professor vai voltar a ser, em Setúbal, depois.de uns dias em Faro, para onde eguirá com a mulher Zélia, logo que a alfândega os.libertar .Projectos, como cantor, nenhuns. A entrevista passa para plano secundário. Digo-lhe ali entre o abrir e fechar de malas, e a azáfama de viajantes e polícias, aquilo que muitos outros portugueses teriam respondido, se ouvissem o autor dos "Vampiros", e do "Menino do Bairro Negro" anunciar-lhes que ia deixar de cantar por esse país fora: que ele não pode abandonar aquela frente de luta cultural e cívica, tão importante para milhares de estudantes, de oposicionistas. "Importantes, umas cantiguetas?", auto-escarnece-se, enquanto dá uma última olhadela aos haveres desembarcados.. Explico-lhe que era através das suas baladas, e das do Adriano Correia de Oliveira, passadas em sequências musicais, ou em montagens de entrevistas ou reportagens, que nós, na Rádio, dizíamos aquilo que de outra forma a censura cortaria. Zeca Afonso terá ficado surpreendido com aquele discurso de um desconhecido repórter radiofónico. Acredito que, humilde, não sabia quão importante se tornara para muitos dos seus concidadãos. E, se alguma vez chegou a acreditar na influência da sua acção como cantor, a experiência traumatizante que acabava de viver em Lourenço Marques e na Beira convencera-o de que deveriam ser outras e mais directas as fórmulas a utilizar para uma alteração do regime político salazar-marcelista. Acabou por dar a entrevista.
Mas as suas declarações, cortadas pela ''fiscalização" do RCP (um serviço de censura tutelado por um representante do governo mas assegurado por funcionários da estação), só iriam para o "ar" depois de Raul Solnado – amigos dos realizadores do programa - fazer um pedido nesse sentido a Paulo Rodrigues, o subsecretário de estado que aIi mesmo se designou um dia, como "a caneta de Sua Excelência" (o presidente do Conselho). José Afonso é expulso do liceu de Setúbal. O seu nome passa a .ser cortado nos jornais. A Pide prende-o, mais tarde. Nunca mais deixa de compor e cantar. Sempre de serviço à causa do antifascismo, em sindiatos, associações recreativas, cineclubes. Será uma "cantigueta" que um grupo de militares escolhe para o 25 de Abril.
Para quê? Deixei-me dessas coisas”. Ia e vinha, naquele jeito desengonçado de andar. Apontava as malas aos bagageiros, à polícia de fronteira, nervoso. Fiquei por ali, esquecido, eu próprio a sentir-me guarda fiscal também, no porto de Lisboa (Cais da Rocha? AIcântara?, a memória retém apenas um balcão comprido num vasto recinto de tectos altos). "O Zeca Afonso regressa amanhã de Moçambique, vais fazer-lhe uma entrevista ao barco"; disseram-me na véspera - estávamos em Setembro - não sei se o Carlos Cruz, se o Fialho Gouveia, realizadores do programa PBX. Transmitido da meia-noite às duas, através do Rádio Ciube Português, o programa tinha vindo agitar as ondas conformadas do espectro radiofónico daquele 1967, levando os microfones para a rua, à procura de gente,de histórias, de vida.
José Afonso diz-me que há muito perdeu o contacto com a música, que era professor na Beira, e que professor vai voltar a ser, em Setúbal, depois.de uns dias em Faro, para onde eguirá com a mulher Zélia, logo que a alfândega os.libertar .Projectos, como cantor, nenhuns. A entrevista passa para plano secundário. Digo-lhe ali entre o abrir e fechar de malas, e a azáfama de viajantes e polícias, aquilo que muitos outros portugueses teriam respondido, se ouvissem o autor dos "Vampiros", e do "Menino do Bairro Negro" anunciar-lhes que ia deixar de cantar por esse país fora: que ele não pode abandonar aquela frente de luta cultural e cívica, tão importante para milhares de estudantes, de oposicionistas. "Importantes, umas cantiguetas?", auto-escarnece-se, enquanto dá uma última olhadela aos haveres desembarcados.. Explico-lhe que era através das suas baladas, e das do Adriano Correia de Oliveira, passadas em sequências musicais, ou em montagens de entrevistas ou reportagens, que nós, na Rádio, dizíamos aquilo que de outra forma a censura cortaria. Zeca Afonso terá ficado surpreendido com aquele discurso de um desconhecido repórter radiofónico. Acredito que, humilde, não sabia quão importante se tornara para muitos dos seus concidadãos. E, se alguma vez chegou a acreditar na influência da sua acção como cantor, a experiência traumatizante que acabava de viver em Lourenço Marques e na Beira convencera-o de que deveriam ser outras e mais directas as fórmulas a utilizar para uma alteração do regime político salazar-marcelista. Acabou por dar a entrevista.
Mas as suas declarações, cortadas pela ''fiscalização" do RCP (um serviço de censura tutelado por um representante do governo mas assegurado por funcionários da estação), só iriam para o "ar" depois de Raul Solnado – amigos dos realizadores do programa - fazer um pedido nesse sentido a Paulo Rodrigues, o subsecretário de estado que aIi mesmo se designou um dia, como "a caneta de Sua Excelência" (o presidente do Conselho). José Afonso é expulso do liceu de Setúbal. O seu nome passa a .ser cortado nos jornais. A Pide prende-o, mais tarde. Nunca mais deixa de compor e cantar. Sempre de serviço à causa do antifascismo, em sindiatos, associações recreativas, cineclubes. Será uma "cantigueta" que um grupo de militares escolhe para o 25 de Abril.
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