O realizador Sena Nunes procurou captar o dia-a-dia particular de alguns habitantes 30 anos depois de António Cunha Telles ter documentado a construção do bairro 25 de Abril, o realizador Pedro Sena Nunes voltou ao local para dar vida a um «Elogio ao ½»
É fim de tarde. O jovem Milton Calvinho agarrou no saco cheio de tacos e bolas de golfe e fez-se ao relvado, junto com meia dúzia de amigos. Atrás deles vai um camera man, um técnico de som e um realizador. Milton tem 12 anos e gostava de ser jogador profissional de golfe. Como ele, muitas outras crianças do bairro 25 de Abril, na Meia-Praia, em Lagos, começaram a achar piada ao «jogo dos ricos», seja na relva ou na areia ali mesmo ao lado. As brincadeiras de antigamente, como o berlinde, as escondidas ou o jogo da bola, ainda fazem parte das distracções dos mais novos deste bairro, mas cada vez menos.Há 30 anos, os habitantes deste bairro eram conhecidos como os «Índios da Meia-Praia», tinham uma grande ligação ao mar e à pesca e viviam em casas feitas de junco. Agora, de índios já têm pouco e a ligação ao mar é cada vez menor, porque, como diz o poema, «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».São estas e outras mudanças que vão dar vida ao mais recente documentário produzido por Pedro Sena Nunes, 30 anos depois de António Cunha Telles ter testemunhado em filme a fixação deste povo, que veio de longe à procura de trabalho e de melhores condições de vida. Em 1975, Cunha Telles chamou-lhe «Continuar a Viver». Agora, Sena Nunes chama-lhe «Elogio ao ½». Trata-se de uma produção cinematográfica encomendada pela Faro Capital Nacional da Cultura que, se tudo correr bem, deverá estar pronta para exibição em Dezembro. Sena Nunes já não é novo na Meia Praia. Passou por lá há dois anos, quando foi convidado para realizar o vídeo clip do trabalho discográfico do músico Zé Eduardo «Jazzar no Cinema Português», onde um dos temas é dedicado aos «Índios», os mesmos que inspiraram Zeca Afonso, na altura do 25 de Abril. Mas, desta vez, o trabalho segue uma perspectiva diferente, compenetrado numa «passividade aparente», confidenciou o realizador ao «barlavento», durante um dos dias de gravação. Sena Nunes encontrou muitas mudanças no estilo de vida das gentes do bairro da Meia Praia, local que tem crescido ano após ano, com mais um anexo ou mais um terraço, que se transformou na casa da filha que casou e precisou de um tecto. Tudo aspectos que dão vida ao documentário.Além da maior densidade populacional, o realizador notou diversas diferenças, segundo ele, dentro de uma «realidade que se confunde». Antes, quase todos eram pescadores ou estavam ligados ao mar. Agora, os barcos estão mais distantes do bairro e a maioria trabalha na área da hotelaria e construção civil. No entanto, a faina do mar continua na mira das objectivas, porque «é impossível separar a Meia Praia da actividade piscatória». Entre o comboio que passa a escassos metros das habitações – e que já provocou algumas mortes – o dia-a-dia particular de alguns habitantes, a ida ao mar de uns poucos de homens ou as tacadas dos miúdos nas bolas de golfe, ali mesmo ao lado, a objectiva de Sena Nunes procurou «dar destaque a todos», porque, entende, «todos têm lugar neste micro-cosmos».Ao lado do pequeno mundo, está construído um grande, chamado Palmares Golfe, com todos os luxos que o bairro não tem. Mundos contrários que estão separados por um muro de betão de grandes dimensões que trava os olhares para o outro lado. É claro que esta realidade não foge ao olhar do realizador, que vê naquela barreira uma «fronteira», apesar de tudo transponível. Os mais novos do bairro da Meia Praia começaram a gostar das tacadas e têm autorização para as dar nos greens do campo de golfe, desde que não façam asneiras, criando-se uma relação amigável entre a vizinhança. Visto que o crescimento turístico começa a pairar com força naquela zona, a saída daquele local já representa um pesadelo para todos os habitantes do bairro 25 de Abril. Esta possibilidade é mais uma etapa na vida destas pessoas, mas que Sena Nunes não pensa registar, porque «são tão grandiosas que não merecem qualquer outro tipo de abordagem, senão a que já foi e está a ser feita», considera.Esta já é a terceira vez que a equipa de Sena Nunes passa por aquelas bandas, em pouco mais de um mês. A última foi na semana passada. Tirando alguns pormenores, as imagens principais já foram captadas. Daqui para a frente, é só trabalhá-las em estúdio e dar vida à película final. Mas há um último pormenor que Sena Nunes ainda quer incluir no seu trabalho: a exibição ao vivo, na Meia Praia, do documentário «Continuar a Viver», de Cunha Telles, com a presença do próprio realizador. Com mais este pequeno aspecto, Sena Nunes acredita que vai conseguir fazer nascer o seu «Elogio ao ½», o primeiro de muitos elogios que pretende realizar.
Rui Pando Gomes - Barlavento online
É fim de tarde. O jovem Milton Calvinho agarrou no saco cheio de tacos e bolas de golfe e fez-se ao relvado, junto com meia dúzia de amigos. Atrás deles vai um camera man, um técnico de som e um realizador. Milton tem 12 anos e gostava de ser jogador profissional de golfe. Como ele, muitas outras crianças do bairro 25 de Abril, na Meia-Praia, em Lagos, começaram a achar piada ao «jogo dos ricos», seja na relva ou na areia ali mesmo ao lado. As brincadeiras de antigamente, como o berlinde, as escondidas ou o jogo da bola, ainda fazem parte das distracções dos mais novos deste bairro, mas cada vez menos.Há 30 anos, os habitantes deste bairro eram conhecidos como os «Índios da Meia-Praia», tinham uma grande ligação ao mar e à pesca e viviam em casas feitas de junco. Agora, de índios já têm pouco e a ligação ao mar é cada vez menor, porque, como diz o poema, «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».São estas e outras mudanças que vão dar vida ao mais recente documentário produzido por Pedro Sena Nunes, 30 anos depois de António Cunha Telles ter testemunhado em filme a fixação deste povo, que veio de longe à procura de trabalho e de melhores condições de vida. Em 1975, Cunha Telles chamou-lhe «Continuar a Viver». Agora, Sena Nunes chama-lhe «Elogio ao ½». Trata-se de uma produção cinematográfica encomendada pela Faro Capital Nacional da Cultura que, se tudo correr bem, deverá estar pronta para exibição em Dezembro. Sena Nunes já não é novo na Meia Praia. Passou por lá há dois anos, quando foi convidado para realizar o vídeo clip do trabalho discográfico do músico Zé Eduardo «Jazzar no Cinema Português», onde um dos temas é dedicado aos «Índios», os mesmos que inspiraram Zeca Afonso, na altura do 25 de Abril. Mas, desta vez, o trabalho segue uma perspectiva diferente, compenetrado numa «passividade aparente», confidenciou o realizador ao «barlavento», durante um dos dias de gravação. Sena Nunes encontrou muitas mudanças no estilo de vida das gentes do bairro da Meia Praia, local que tem crescido ano após ano, com mais um anexo ou mais um terraço, que se transformou na casa da filha que casou e precisou de um tecto. Tudo aspectos que dão vida ao documentário.Além da maior densidade populacional, o realizador notou diversas diferenças, segundo ele, dentro de uma «realidade que se confunde». Antes, quase todos eram pescadores ou estavam ligados ao mar. Agora, os barcos estão mais distantes do bairro e a maioria trabalha na área da hotelaria e construção civil. No entanto, a faina do mar continua na mira das objectivas, porque «é impossível separar a Meia Praia da actividade piscatória». Entre o comboio que passa a escassos metros das habitações – e que já provocou algumas mortes – o dia-a-dia particular de alguns habitantes, a ida ao mar de uns poucos de homens ou as tacadas dos miúdos nas bolas de golfe, ali mesmo ao lado, a objectiva de Sena Nunes procurou «dar destaque a todos», porque, entende, «todos têm lugar neste micro-cosmos».Ao lado do pequeno mundo, está construído um grande, chamado Palmares Golfe, com todos os luxos que o bairro não tem. Mundos contrários que estão separados por um muro de betão de grandes dimensões que trava os olhares para o outro lado. É claro que esta realidade não foge ao olhar do realizador, que vê naquela barreira uma «fronteira», apesar de tudo transponível. Os mais novos do bairro da Meia Praia começaram a gostar das tacadas e têm autorização para as dar nos greens do campo de golfe, desde que não façam asneiras, criando-se uma relação amigável entre a vizinhança. Visto que o crescimento turístico começa a pairar com força naquela zona, a saída daquele local já representa um pesadelo para todos os habitantes do bairro 25 de Abril. Esta possibilidade é mais uma etapa na vida destas pessoas, mas que Sena Nunes não pensa registar, porque «são tão grandiosas que não merecem qualquer outro tipo de abordagem, senão a que já foi e está a ser feita», considera.Esta já é a terceira vez que a equipa de Sena Nunes passa por aquelas bandas, em pouco mais de um mês. A última foi na semana passada. Tirando alguns pormenores, as imagens principais já foram captadas. Daqui para a frente, é só trabalhá-las em estúdio e dar vida à película final. Mas há um último pormenor que Sena Nunes ainda quer incluir no seu trabalho: a exibição ao vivo, na Meia Praia, do documentário «Continuar a Viver», de Cunha Telles, com a presença do próprio realizador. Com mais este pequeno aspecto, Sena Nunes acredita que vai conseguir fazer nascer o seu «Elogio ao ½», o primeiro de muitos elogios que pretende realizar.
Rui Pando Gomes - Barlavento online
1 Comment:
I hope this new documentary "Elogio ao 1/2" can also be viewed (or purchased)outside Portugal: the Indios da Meia Praia will always be a symbol to people all over Europe of the events of april 25, 1974. It will be very interesting to see what has happenend in the area after that period. Besides, it will always be connected to the great song of Jose Afonso and his position as one of the greatest Europeans of the XX century, his humanism, his struggle for real freedom, democracy and true socialism
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