O álbum "Geografias", editado dia 18 de Junho, assinala o regresso de Júlio Pereira ao bandolim, um instrumento que acompanha o músico desde a infância e que neste disco se conjuga de forma inédita com a guitarra portuguesa. Um disco a descobrir!
Fonte: Lusa
Depois de ter composto para crianças, com "Faz-de-conta" (2003), Júlio Pereira gravou um álbum instrumental onde demonstra o seu virtuosismo como intérprete e autor. Nos onze temas de "Geografias" o músico viaja para várias latitudes, combinando sonoridades e ritmos que à partida podem não fazer sentido juntos. "Este é um disco onde vou a mais sítios, porque a música instrumental leva as pessoas a lugares diferentes", afirmou Júlio Pereira em entrevista à agência Lusa.
Se dentro de "Fado Luso" há música popular portuguesa e ritmos africanos, "Porta do Oriente" remete para rotas longínquas e "Santa Moura" num instante parece uma canção de embalar, para de seguida fazer lembrar canto árabe ou uma moda minhota.
São geografias recriadas por Júlio Pereira a partir de uma memória pessoal e da combinação entre bandolim, guitarra portuguesa, viola, bouzouki e sintetizadores. "Esta mistura, sobretudo do bandolim com a guitarra portuguesa, acho que deve ter sido a primeira em termos de trabalho com alguma profundidade", disse.
Para o novo álbum, Júlio Pereira contou ainda com a colaboração de três vozes femininas num registo de vocalizações que funcionam como um instrumento: Sara Tavares, Marisa Pinto, dos Donna Maria, e Isabel Dias, do grupo tradicional minhoto Raízes. Para "Geografias", o músico abdicou de tocar todos os instrumentos em estúdio, repartindo as despesas com Miguel Veras (viola acústica) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa). O processo de composição e de gravação acabou por ser inédito, precisamente por causa dessa partilha.
"Compor é um acto solitário, mas esta é a primeira vez que componho à frente de outra pessoa", referiu o autor de "Rituais" (2001), recordando as sessões em que experimentava temas novos no bandolim.
Júlio Pereira, que durante muitos anos ficou praticamente conotado com o cavaquinho, diz que prefere cada vez mais o bandolim. "O cavaquinho é uma memória", afirma o tocador ao recordar o sucesso alcançado com o álbum "Cavaquinho" em 1981. "Não sei o que é que aconteceu, mas teve consequências completamente inesperadas e é a partir daí que saio do anonimato", assinala.
Actualmente, é o bandolim o instrumento que mais gosta de tocar, por ser, entre os cordofones pequenos, "aquele que tem mais possibilidades de evolução". É também o instrumento que o acompanha desde a infância, nos tempos em que o pai o ensinou a tocar "modinhas tradicionais". Além de ser um disco com composições inspiradas na música popular e tradicional, "Geografias" introduz ainda apontamentos electrónicos, com a presença discreta de sintetizadores em temas como "Colares de Luz" e "Porta do Oriente".
Júlio Pereira explica que sempre teve apetência tanto para instrumentos tradicionais como para os novos instrumentos. "Faço parte de uma geração que é transversal às duas coisas. Apanho tanto o que é antigo como os novos instrumentos", refere o músico, num exercício de memória que o leva aos tempos da guitarra eléctrica e do rock na década de 1970. Pode haver quem só se lembre de Júlio Pereira a tocar cavaquinho e viola braguesa ou ao lado de Zeca Afonso, com quem tocou durante muitos anos.
Mas a verdade é que Júlio Pereira fez parte do movimento rock da década de setenta, no pós-25 de Abril, empunhando uma guitarra eléctrica e gravando com grupos como os Petrus Castrus e os Xarhanga. "Há uma grande parte da minha vida em que oiço géneros musicais que não passam por nada do que é, digamos, tradicional", reforça Júlio Pereira.
No entanto, o músico garante que não regressará a esses tempos e que se afastou do rock como músico. Da dedicação e pesquisa das raízes da música tradicional e popular portuguesa saíram álbuns como "O meu bandolim" (1992), "Miradouro" (1988), "Braguesa" (1983) ou este "Geografias". Para Setembro, Júlio Pereira prepara uma digressão por Portugal e Espanha, onde "Geografias" também será também editado.
O músico quer que os concertos sejam um prolongamento do álbum, com a participação em palco dos músicos Miguel Veras e Bernardo Couto. A digressão, ainda sem datas anunciadas, será a primeira em nome próprio ao cabo de dez anos, marcados apenas por actuações como convidado de outros músicos. "Nos últimos anos toquei sobretudo lá fora", afirmou o músico, constatando que o actual cenário musical português não é dos melhores. Júlio Pereira reconhece que a música instrumental de raiz popular e tradicional não passa tanto na rádio ou na televisão, mas esta realidade é contornada através da Internet.
No portal Myspace.com (www.myspace.com/juliopereira ), o músico apresenta algumas das suas composições e não esconde a surpresa ao ver que tem cem ou duzentas audições diárias dos seus temas. Em apenas dois meses registou 12 mil audições no myspace, um espaço virtual acessível para milhões de utilizadores onde "a música acaba por se tornar física". "Não imaginava que isto ia acontecer - disse - e não tenho dúvidas de que a Internet é o maior dos presentes".
Biografia
João Luís Oliva
Como multi-instrumentista, compositor e produtor, ao longo de 30 anos de carreira, Júlio Pereira tem norteado a sua preocupação artística por parâmetros que tomam como referência a universalidade das manifestações culturais.
O que, de forma nenhuma, contraria a importância do seu trabalho no âmbito da música tradicional portuguesa e da consideração étnica dos sons e das suas raízes. É que esse trabalho sempre teve como horizonte a incorporação da tradição portuguesa nas correntes estéticas que marcam as sucessivas“contemporaneidades".
Assim, as suas obras de autor, concretizadas em 15 discos de longa duração, depois de reflectirem a importância da inovação musical dos anos 60/70, centraram-se num trabalho de recuperação renovadora dos sons dos instrumentos tradicionais “quase perdidos” — de que os mais paradigmáticos exemplos são Cavaquinho (1981) , Braguesa (1982) e O meu bandolim (1992) —, bem como, sobretudo a partir dos anos 90, na associação desses sons a (sempre) novas soluções acústicas — como Rituais (2000) significativamente documenta. O que, aliás, o situa como figura incontornável da música portuguesa da segunda metade do séc. XX.
Embora o seu trabalho não se tenha — até agora, e dominantemente — cruzado com a melodização de textos, a sua selectividade poética leva-o, actualmente, a preparar um disco - Faz-de-conta - que se cruza com nomes nucleares de autores de língua portuguesa, como Eugénio de Andrade e Vinicius de Moraes.
A atestar a sua experiência e o seu testemunho musical, referem-se a centena de discos em que interveio como instrumentista, orquestrador ou produtor. Não sem deixar de referir a importância da sua íntima ligação à carreira de José Afonso, a partir de finais dos anos 70, bem como a sua participação em trabalhos conjuntos com Pete Seeger e The Chieftains"
Fonte: Lusa
Depois de ter composto para crianças, com "Faz-de-conta" (2003), Júlio Pereira gravou um álbum instrumental onde demonstra o seu virtuosismo como intérprete e autor. Nos onze temas de "Geografias" o músico viaja para várias latitudes, combinando sonoridades e ritmos que à partida podem não fazer sentido juntos. "Este é um disco onde vou a mais sítios, porque a música instrumental leva as pessoas a lugares diferentes", afirmou Júlio Pereira em entrevista à agência Lusa.
Se dentro de "Fado Luso" há música popular portuguesa e ritmos africanos, "Porta do Oriente" remete para rotas longínquas e "Santa Moura" num instante parece uma canção de embalar, para de seguida fazer lembrar canto árabe ou uma moda minhota.
São geografias recriadas por Júlio Pereira a partir de uma memória pessoal e da combinação entre bandolim, guitarra portuguesa, viola, bouzouki e sintetizadores. "Esta mistura, sobretudo do bandolim com a guitarra portuguesa, acho que deve ter sido a primeira em termos de trabalho com alguma profundidade", disse.
Para o novo álbum, Júlio Pereira contou ainda com a colaboração de três vozes femininas num registo de vocalizações que funcionam como um instrumento: Sara Tavares, Marisa Pinto, dos Donna Maria, e Isabel Dias, do grupo tradicional minhoto Raízes. Para "Geografias", o músico abdicou de tocar todos os instrumentos em estúdio, repartindo as despesas com Miguel Veras (viola acústica) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa). O processo de composição e de gravação acabou por ser inédito, precisamente por causa dessa partilha.
"Compor é um acto solitário, mas esta é a primeira vez que componho à frente de outra pessoa", referiu o autor de "Rituais" (2001), recordando as sessões em que experimentava temas novos no bandolim.
Júlio Pereira, que durante muitos anos ficou praticamente conotado com o cavaquinho, diz que prefere cada vez mais o bandolim. "O cavaquinho é uma memória", afirma o tocador ao recordar o sucesso alcançado com o álbum "Cavaquinho" em 1981. "Não sei o que é que aconteceu, mas teve consequências completamente inesperadas e é a partir daí que saio do anonimato", assinala.
Actualmente, é o bandolim o instrumento que mais gosta de tocar, por ser, entre os cordofones pequenos, "aquele que tem mais possibilidades de evolução". É também o instrumento que o acompanha desde a infância, nos tempos em que o pai o ensinou a tocar "modinhas tradicionais". Além de ser um disco com composições inspiradas na música popular e tradicional, "Geografias" introduz ainda apontamentos electrónicos, com a presença discreta de sintetizadores em temas como "Colares de Luz" e "Porta do Oriente".
Júlio Pereira explica que sempre teve apetência tanto para instrumentos tradicionais como para os novos instrumentos. "Faço parte de uma geração que é transversal às duas coisas. Apanho tanto o que é antigo como os novos instrumentos", refere o músico, num exercício de memória que o leva aos tempos da guitarra eléctrica e do rock na década de 1970. Pode haver quem só se lembre de Júlio Pereira a tocar cavaquinho e viola braguesa ou ao lado de Zeca Afonso, com quem tocou durante muitos anos.
Mas a verdade é que Júlio Pereira fez parte do movimento rock da década de setenta, no pós-25 de Abril, empunhando uma guitarra eléctrica e gravando com grupos como os Petrus Castrus e os Xarhanga. "Há uma grande parte da minha vida em que oiço géneros musicais que não passam por nada do que é, digamos, tradicional", reforça Júlio Pereira.
No entanto, o músico garante que não regressará a esses tempos e que se afastou do rock como músico. Da dedicação e pesquisa das raízes da música tradicional e popular portuguesa saíram álbuns como "O meu bandolim" (1992), "Miradouro" (1988), "Braguesa" (1983) ou este "Geografias". Para Setembro, Júlio Pereira prepara uma digressão por Portugal e Espanha, onde "Geografias" também será também editado.
O músico quer que os concertos sejam um prolongamento do álbum, com a participação em palco dos músicos Miguel Veras e Bernardo Couto. A digressão, ainda sem datas anunciadas, será a primeira em nome próprio ao cabo de dez anos, marcados apenas por actuações como convidado de outros músicos. "Nos últimos anos toquei sobretudo lá fora", afirmou o músico, constatando que o actual cenário musical português não é dos melhores. Júlio Pereira reconhece que a música instrumental de raiz popular e tradicional não passa tanto na rádio ou na televisão, mas esta realidade é contornada através da Internet.
No portal Myspace.com (www.myspace.com/juliopereira ), o músico apresenta algumas das suas composições e não esconde a surpresa ao ver que tem cem ou duzentas audições diárias dos seus temas. Em apenas dois meses registou 12 mil audições no myspace, um espaço virtual acessível para milhões de utilizadores onde "a música acaba por se tornar física". "Não imaginava que isto ia acontecer - disse - e não tenho dúvidas de que a Internet é o maior dos presentes".
Biografia
João Luís Oliva
Como multi-instrumentista, compositor e produtor, ao longo de 30 anos de carreira, Júlio Pereira tem norteado a sua preocupação artística por parâmetros que tomam como referência a universalidade das manifestações culturais.
O que, de forma nenhuma, contraria a importância do seu trabalho no âmbito da música tradicional portuguesa e da consideração étnica dos sons e das suas raízes. É que esse trabalho sempre teve como horizonte a incorporação da tradição portuguesa nas correntes estéticas que marcam as sucessivas“contemporaneidades".
Assim, as suas obras de autor, concretizadas em 15 discos de longa duração, depois de reflectirem a importância da inovação musical dos anos 60/70, centraram-se num trabalho de recuperação renovadora dos sons dos instrumentos tradicionais “quase perdidos” — de que os mais paradigmáticos exemplos são Cavaquinho (1981) , Braguesa (1982) e O meu bandolim (1992) —, bem como, sobretudo a partir dos anos 90, na associação desses sons a (sempre) novas soluções acústicas — como Rituais (2000) significativamente documenta. O que, aliás, o situa como figura incontornável da música portuguesa da segunda metade do séc. XX.
Embora o seu trabalho não se tenha — até agora, e dominantemente — cruzado com a melodização de textos, a sua selectividade poética leva-o, actualmente, a preparar um disco - Faz-de-conta - que se cruza com nomes nucleares de autores de língua portuguesa, como Eugénio de Andrade e Vinicius de Moraes.
A atestar a sua experiência e o seu testemunho musical, referem-se a centena de discos em que interveio como instrumentista, orquestrador ou produtor. Não sem deixar de referir a importância da sua íntima ligação à carreira de José Afonso, a partir de finais dos anos 70, bem como a sua participação em trabalhos conjuntos com Pete Seeger e The Chieftains"
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