15 de julho de 2007

Quadras de José Afonso

Nestas quadras vão notícias
P’ra quem está mal informado
Dá-me o tom desta cantiga
Quero estar bem preparado

Nestas quadras vão notícias
P’ra quem está mal informado
Dá-me o tom desta cantiga
Quero estar bem preparado

Quero estar bem preparado
O Sol e Dó bate fino
Quando o compasso é folgado
Entra melhor no ouvido

Os ricos mentem ao povo
Com artes de feiticeiro
Dizem que são pela Pátria
Mas só pensam no dinheiro

Hoje os tempos estão mudados
Mal vai para quem trabalha
Sai das tuas tamanquinhas
E luta contra o canalha

Sobem as rendas de casa
A habitação é um luxo
Mas há quem tenha palácio
Piscina, parque e repuxo.

Foi dar a Lisboa um Pinto
Habitar um aviário
Fizeram dele ministro
Mas não passa dum falsário

Nunca vi na minha vida
De uniforme ou à paisana
Um guarda republicana
Bater num capitalista

Tu chamaste-me comuna
Pensando que me ofendias
Com esse nome viveu
Paris os seus melhores dias

Haja ganas com fartura
P’ra levantar o país
Quando o mal não tem remédio
Corta-se o mal pela raiz

Mineiros da nossa terra
Abrindo covas no fundo
Pescadores lá do mar alto
Que deram lições ao mundo

Muita gente prevenida
Grita e berra que se farta
Antes que seja crescida
Há que matar a lagarta

Cãezinhos de pelo fino
Pela trela passeando
São os últimos suspiros
Que a Europa nos está mandando

Hoje há Sandras e Patrícias
Sinal dos tempos que vão
Acabaram-se as Marias
Tudo vem da imitação

Sónias, Mónicas, Sofias
E Carlas ao desbarato
Ninguém quer um fato próprio
Tudo quer mudar de fato

Algarve, o que vejo agora?
Fazem de ti capoeira
Para pedires uma bica
Falas em língua estrangeira

Vida cara, vida cara
Onde irá isto parar?
Pergunta a dona de casa
Sem ter com que se amanhar

É já miséria doirada
Ver comida boa e farta
E pagar uma fortuna
Por um quilo de batata

É já miséria revolta
Ver a loiça sobre a mesa
Quem fez o cabaz da fome,
Rouba, rouba concerteza

Tudo são palavras mansas
Tudo são palavras caras
Avança, meu povo, avança
Avança que já não páras

Há de tudo nesta feira
Juncada de rosmaninho
Menina, toma cautela
Que andam chulos p’lo caminho

Na sociedade marcada
O sistema é que não presta
E p’ra manter a fachada
Há sempre um tambor da festa

Tenho debaixo da língua
O princípio duma trova
Hei-de encontrar uma rima
Dedicada à gente nova

A velhice não se enjeita
Como o lixo da calçada
País que os velhos rejeita
Não é país, não é nada

Numa escola de Setúbal
Ficou surda uma menina
Tanta pancada lhe dera
A professora malina

Discursos, festas, colóquios
Não chegam (nem caridade)
O melhor são as crianças
Disse o poeta, e é verdade

Seja cada dia um ano
Que um ano não dá p’ra mais:
Colóquios, festas, sorrisos,
Missas internacionais

Faz aqui falta uma trova
Duma criança oprimida;
Ela que fale da fome,
Ela que fale da vida

Ela que fale da pomba
Que tem a asa ferida;
Ela que fale da nuvem
Que encobre a terra poluída

Veio uma carta de longe
Dum amigo de Bragança
Que fugiu daqui a salto
E hoje vive na França

Diz que trabalha na “chaine”
Como uma besta de carga
E que não foi de vontade
Que deixou a pátria amada

Mandou o filho à escola
Onde só fala francês
Quando as saudades apertam
Diz que vai voltar de vez

Mas sabe que o desemprego
É um inimigo real
E assim se vai conformando
Longe da terra natal

O emigra erga a mola
Num país que não é seu
Produz fortunas alheias
Com as mãos que Deus lhe deu

Disse-me um dia um careca
Quando uma cobra tem sede
Corta-lhe logo a cabeça
Encosta-a bem à parede

Quando uma lancha se afunda
Nunca a culpa é do patrão
É sempre de quem se amola
Lá no fundo do porão

Esta terra será nossa
Quando houver revolução

Leave your comment