7 de dezembro de 2007

Começa hoje a digressão "Cristina Branco canta Zeca Afonso"

Esta não é a primeira vez que a cantora “visita” José Afonso. Mas este trabalho de Cristina Branco, por ser inteiramente dedicado à obra poética e musical do cantor de “Abril” surge com uma integridade e uma beleza raras. A emoção transparece em cada tema e Cristina Branco oferece ao seu público alguns preciosos momentos de pura poesia. Quem for ouvi-la, esta noite, às 21H30, no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, naquele que é o concerto de abertura de uma digressão nacional, poderá contar com uma revisitação de 16 temas que oferecem, de alguma forma, a obra inteira que José Afonso legou a todos.

DIÁRIO AS BEIRAS - Ouvindo “Abril”, percebe-se que este é um projecto feito com o coração, com uma vontade de devolver em integridade e beleza a obra poética e musical de José Afonso. Como é que surgiu este trabalho?
Cristina Branco - Espontaneamente porque já não é a primeira vez que gravo temas do José Afonso (“Murmúrios” e “Ulisses”) e impôs-se depois do tributo aos fados de Amália (“Live”). Afinal, José Afonso faz parte do meu ouvido há muito mais tempo que o fado e não ficaria de bem comigo se não me embrenhasse no seu mundo da mesma forma que fiz com os temas de Amália. Com respeito pelas suas melodias e tentando não desvirtuar o universo por ele criado.

“Abril” é um momento assumido de homenagem a um compositor que deixou marcas importantes (também) em si?
Sim, e também o momento de tomar fôlego para o grande mergulho que vem a seguir, ou seja, criei um espaço de aprendizagem com os meus mestres para agora me “envolver” tranquilamente na minha música.

O que é que o país, os seus cantores e os seus poetas devem a Zeca, essa personalidade a muitos títulos ímpar na cultura musical portuguesa do século XX, que ainda não lhe deram?
Acho que quando se d* não se pede nada em troca e o Zeca deu o que tinha. O seu património é as palavras de entreajuda, as melodias “orelhudas”, subtis gritos de alerta para não acordar o monstro. Recebemos agradecidos e tentamos lembrar simplesmente. Não pediu nada em troca... talvez lembrá-lo sempre seja a melhor dádiva de todas!

Pelo que foi possível saber, as apresentações em Lisboa ditaram um encontro “feliz” com quem foi ouvi-la cantar Zeca Afonso. Como foi?
Foi surpreendentemente bonito, gratificante. Vieram os amigos, a família, os políticos, os curiosos, como bom augúrio. E todos traziam “estórias” do Zeca para nos contar, para acrescentar saber à minha aprendizagem.
Para que público pensou e construiu depois este projecto?
A intenção foi simplesmente deixar fluir a simplicidade da música do Zeca, o surrealismo dos seus poemas. A de mais, repare, conotar politicamente seria ridículo, não é esse o meu papel. Uma vez mais, foi a beleza e complexidade do repertório, que me envolveu e me guiou até ao “Abril”.

Inicia hoje, 7 de Dezembro, em Coimbra, uma digressão nacional com este trabalho. Quais são as suas expectativas?
Espero que “venham mais cinco” para lembrar a música e cantar, cantar muito. Sem preconceitos, porque o Zeca é de todos e não teve nunca a cor dum partido. O seu ideal foi o da justiça e a sua arma as palavras e as melodias.

Vem cantar Zeca a Coimbra. A experiência de ruptura com uma tradição a muitos títulos castradora vivida pelo poeta cantor poderá inspirá-la, de algum modo, a fazer uma incursão pela canção de Coimbra?
José Afonso é uma inspiração, mas adianto-lhe que a canção de Coimbra está bem entregue nas mãos de bons cantores e músicos de excelência que estão a recriar e a compor de forma brilhante para o género. Eu nada traria de novo.

A Cristina Branco vem do fado, embora de um “fado novo”, como convencionou dizer-se, mas a sonoridade deste “Abril” é a do jazz e a matriz é a do Zeca. Como é viajar assim entre sonoridades e estilos?
É a minha praia! Não gosto de rótulos e ter a liberdade de me movimentar entre as camadas do convencional, é o que sempre ambicionei, porque se aprende navegando em águas paradas tal como em mares mais agitados.

E a música portuguesa em Portugal? O que é que entende como absolutamente prioritário para que a música chegue ao público para o qual é feita?
Respeitar esse mesmo público, e com isso quero dizer que devemos “ouvir” o fruir da nossa sociedade, do mundo, sendo que temos nas mãos o papel de conduzir lucidamente os gostos e alternativas que se nos apresentam todos os dias.

Jornal As Beiras

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