Há qualquer coisa de obsceno nos ecos mediáticos — e, sobretudo, televisivos — suscitados pela passagem dos 20 anos sobre a morte de José Afonso (2 Agosto 1929 - 23 Fevereiro 1987). Não se trata de recusar o seu lugar na história da música popular portuguesa do século XX (de uma importância, a meu ver, apenas igualada por figuras como Amália Rodrigues). Muito menos se pretende pôr em causa a sinceridade emocional e a riqueza histórica de muitas evocações que, nos últimos dias, têm surgido nos mais diversos órgãos de informação. Permito-me, aliás, sublinhar o trabalho de inventariação e divulgação da(s) memória(s) desenvolvido pela Associação José Afonso, com prolongamentos muito interessantes no respectivo blog.
O que está em causa é de outra natureza. E decorre do próprio labor de apagamento e normalização que os valores dominantes no espaço mediático têm imposto ao país. Assim, José Afonso (como muitas outras referências da nossa história cultural) está longe de ser um nome com uma presença regular no nosso quotidiano. Bem pelo contrário: a cultura dominante vive de uma banalização de todas as formas de consumo que, seja qual for a visibilidade que ciclicamente confere a determinadas obras, tende a favorecer atitudes de alheamento, indiferença e até desprezo em relação a tudo que envolva algum valor patrimonial. Daí a obscenidade destes dias: as televisões que programam horas infinitas de telenovelas (não exactamente com bandas sonoras de José Afonso...) e celebram a demagogia imediatista dos reality shows, são essas mesmas televisões que põem os seus pivots, com rostos muito graves e palavras muito oficiais, a exaltar as virtudes de José Afonso e da sua música... Algo soa a falso.
A situação agrava-se através da própria "politização" que, declaradamente ou não, tende a envolver a herança de José Afonso. Entendamo-nos: não há cantor mais político que José Afonso. Mas é um erro fulcral — isto é, cultural — pretender transformá-lo em peça incauta dos jogos florais da classe política, por exemplo com a esquerda a querer fazer dele uma bandeira sua, ou a direita a tentar reduzi-lo a coisa abstracta e liofilizada.
O drama de tudo isto não é, repare-se, que José Afonso possa suscitar visões controversas ou até grandes clivagens ideológicas ou culturais. O drama enraiza-se num ambiente — cultural, mediático, televisivo — que congela as nossas memórias mais genuínas para, de vez em quando, apenas por obra e graça do calendário, as tirar da cartola para promover grandes festas e pequeníssimas ideias. Não é fácil ser como a toupeira... que esburaca.
O que está em causa é de outra natureza. E decorre do próprio labor de apagamento e normalização que os valores dominantes no espaço mediático têm imposto ao país. Assim, José Afonso (como muitas outras referências da nossa história cultural) está longe de ser um nome com uma presença regular no nosso quotidiano. Bem pelo contrário: a cultura dominante vive de uma banalização de todas as formas de consumo que, seja qual for a visibilidade que ciclicamente confere a determinadas obras, tende a favorecer atitudes de alheamento, indiferença e até desprezo em relação a tudo que envolva algum valor patrimonial. Daí a obscenidade destes dias: as televisões que programam horas infinitas de telenovelas (não exactamente com bandas sonoras de José Afonso...) e celebram a demagogia imediatista dos reality shows, são essas mesmas televisões que põem os seus pivots, com rostos muito graves e palavras muito oficiais, a exaltar as virtudes de José Afonso e da sua música... Algo soa a falso.
A situação agrava-se através da própria "politização" que, declaradamente ou não, tende a envolver a herança de José Afonso. Entendamo-nos: não há cantor mais político que José Afonso. Mas é um erro fulcral — isto é, cultural — pretender transformá-lo em peça incauta dos jogos florais da classe política, por exemplo com a esquerda a querer fazer dele uma bandeira sua, ou a direita a tentar reduzi-lo a coisa abstracta e liofilizada.
O drama de tudo isto não é, repare-se, que José Afonso possa suscitar visões controversas ou até grandes clivagens ideológicas ou culturais. O drama enraiza-se num ambiente — cultural, mediático, televisivo — que congela as nossas memórias mais genuínas para, de vez em quando, apenas por obra e graça do calendário, as tirar da cartola para promover grandes festas e pequeníssimas ideias. Não é fácil ser como a toupeira... que esburaca.
Texto retirado do blogue de Nuno Galopim e João Lopes
1 Comment:
Eu, Angelo Ochoa, que convivi com o amado Zeca venho por este meio corroborar, apoiar e subscrever tudo quanto me comunicam -- e sem reserva.
Sei, de experiência pequenina, mas minha, de quanto tudo quanto aí, em esse local blog, se afirma é rigorosamente e dramaticamente verdade no nosso fenómeno televisivo e cultural permitir-me-ei accionar capse look e escrever rigorosomente, verdade verdadinha, ANTI-CULTURAL. NÃO É NADA FÁCIL NEM CÓMODO SER COMO A TOUPEIRA -- «QUE ESBURACA» -- É TÃO SÓ TÃO DIFÍCIL (IMAGINO) COMO :
ser-se cristão em tempo em que tais eram lançados às feras no romano circo.
Vosso,
Ochôa
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