Música de José Afonso continua viva nas muitas versões dos seus temas
Lisboa, 15 Jul (Lusa) - A música de José Afonso continua viva nas muitas versões de temas do cantor que continuam a ser feitas "por diversos intérpretes, portugueses e estrangeiros, e nos mais variados registos musicais", afirmou hoje a historiadora Irene Flunser Pimentel.
A autora da fotobiografia de José Afonso falava na Casa da Imprensa, onde teve lugar a apresentação da obra, publicada pelo Círculo de Leitores e pela Temas e Debates.
Segundo Irene Pimentel, "dos anos 60 até ao presente existe mais de uma centena de versões de temas cantados originalmente por José Afonso, inclusive uma versão do 'Grândola, Vila Morena' em sueco" e, segundo Joaquim Vieira, "uma outra em jazz, um estilo de que o Zeca até nem gostava".
Na sessão, a historiadora explicou ter tido algumas dúvidas em aceitar escrever a biografia: "Temia não ter o distanciamento necessário face ao 'objecto de estudo' - porque esta é uma figura que eu amei!", contou.
"Ainda hoje, basta ouvir uma palavra de uma música do Zeca e lá me vem logo a canção toda", afirmou a vencedora do Prémio Pessoa 2007, que dedicou grande parte da sua intervenção à leitura de textos das jornalistas Regina Louro - que escreveu sobre um concerto de Março de 1974 em que participou Zeca Afonso - e Clara Ferreira Alves, que fez a crónica da última actuação do cantor, no Coliseu dos Recreios, em 1983.
Segundo Irene Pimentel, a elaboração do volume não implicou um grande recurso a fontes orais mas muita leitura da imprensa - "essa grande historiadora dos séculos XIX e XX" - e de livros como 'José Afonso - O Rosto da Utopia', de José A. Salvador, e "José Afonso - Um Olhar Fraterno", de João Afonso dos Santos, irmão do músico.
As fotos foram recolhidas em arquivos, alguns particulares, tendo a autora contado com o auxílio de vários familiares, nomeadamente os irmãos de Zeca, João Afonso e Mariazinha, e a filha Maria Helena.
A obra hoje apresentada insere-se na colecção Fotobiografias Século XX, dirigida por Joaquim Vieira e composta por oito volumes dedicados a oito figuras da cultura portuguesa. Acompanham José Afonso, a fadista Amália Rodrigues, o poeta Fernando Pessoa, os actores Vasco Santana e Amélia Rey Colaço, o pintor Amadeo de Souza-Cardoso, o fotógrafo Joshua Benoliel e o arquitecto Pardal Monteiro.
"Algumas pessoas estranharão ver José Afonso ao lado de Fernando Pessoa ou de Amadeo de Souza-Cardoso pois, embora ele tenha partido antes de outras figuras que também integram a colecção, como Amália Rodrigues, a sua obra consolidou-se mais tarde, o que nos dá uma sensação de falta de distanciamento", explicou Joaquim Vieira.
"Mas tinha de incluí-lo porque é um ícone, uma figura fundamental pelo seu trabalho na música e pelo alento que deu aos que acreditavam que a Ditadura não ia durar para sempre", acrescentou o jornalista e documentarista, para quem este segundo motivo "justifica o nome do capítulo que abre o livro: 'O porta-voz da esperança'".
Na sessão de apresentação, o director da colecção declarou que "José Afonso ultrapassa a ala política em que se inseria" e destacou alguns aspectos da biografia de Zeca Afonso que considera interessantes, "como o facto de ele não saber uma nota de música".
"Ele criava as melodias na cabeça mas não sabia passá-las para uma pauta", afirmou, insistindo também em que "não sejam esquecidas a poesia e a forma como José Afonso trabalhava as palavras".
"Aliás, muitos títulos e frases das suas canções foram ficando e continuam a ser utilizados, como 'venham mais cinco', 'traz outro amigo também' ou 'eles comem tudo'", exemplificou Joaquim Vieira.
A propósito das canções, Joaquim Vieira - que foi preso político - recordou que "não era permitida a entrada de discos de José Afonso na prisão de Caxias, onde só se conseguiu aceder a um porque foi escondido dentro da capa de um disco música clássica".
O responsável revelou ainda, a fechar a sessão, que a data da apresentação da fotobiografia foi escolhida pela proximidade com o dia 2 de Agosto, em que Zeca Afonso faria 80 anos se fosse vivo, enquanto a opção pela Casa da Imprensa visou evocar a conferência de imprensa que o cantor deu, em 1982, para informar sobre o seu estado de saúde e que decorreu precisamente na sala onde hoje teve lugar o lançamento.
A fotobiografia de José Afonso acompanha o percurso do cantor e autor, do nascimento (Aveiro, 1929) à morte (Setúbal, 1987), incluindo as suas passagens por Angola e Moçambique, os tempos de estudante em Coimbra, a expulsão do ensino e o sucesso na música, detendo-se em datas emblemáticas como o ano de 1953, em que nasceram os seus dois primeiros filhos e saíram os dois primeiros discos.
O livro é ilustrado por fotos do cantor em família e com amigos ou em actuações ao vivo mas também por reproduções das capas dos discos e de cartazes a anunciar espectáculos e por 'facsimiles' de poemas.
Irene Flunser Pimentel é licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mestre em História Contemporânea (século XX) e doutorada em História Institucional e Política Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Investigadora do Instituto de História Contemporânea, é autora de "História das Organizações Femininas do Estado Novo" (2000, Prémio Carolina Michaelis), "Fotobiografia de Manuel Gonçalves Cerejeira" (2002), "Judeus em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto" (2006, Prémio Adérito Sedas Nunes, ex-aequo), "A História da PIDE" (2007) e "Mocidade Portuguesa Feminina" (2007), entre outros.
Joaquim Vieira foi repórter e director-adjunto do Expresso, redactor principal da Visão, director da revista Grande Reportagem e director-adjunto para os programas da RTP, além de professor convidado do curso de Ciências da Comunicação da Universidade Independente.
Presidente do Observatório da Imprensa - Centro de Estudos Avançados de Jornalismo, tem produzido e realizado documentários como "Álvaro Cunhal" (2005), "A Voz da Saudade" (2007) e "Por Amor ao Piano" (2008).
Autor de obras como "Jornalismo Contemporâneo - Os Media entre a Era Gutenberg e o Paradigma Digital" e "Os Meus 35 anos com Salazar" (ambos de 2007), tem dirigido diversas colecções e já foi distinguido com o Prémio de Reportagem do Clube Português de Imprensa (1988), o Prémio Fernando Pessoa de Jornalismo (1994) e o Troféu Afonso Lopes Vieira de Jornalismo (2007), entre outros galardões.
HSF.
Lusa/fim
1 Comment:
Procuro ter todos os livros sobre Zeca Afonso e por isso corri a comprar este, mas após a leitura de apenas algumas páginas percebi que foi uma oportunidade perdida para fazer mais um grande livro sobre o nosso Zeca. Quero eu dizer que de uma fotobiografia com a dimensão desta (ainda por cima assinada por uma historiadora de gabarito que até tem no currículo um Prémio Pessoa) espera-se que seja, já não digo uma obra perfeita, mas pelo menos uma obra muito rigorosa e completa. E infelizmente esta não o é.
Eis dois ou três exemplos:
- a má qualidade de algumas fotos (sem que haja razões para tal, pois encontram-se reproduzidas em vários sítios, incluindo noutros livros sobre o Zeca, com muito mais qualidade do que aqui - e atenção que isto é ou pretende ser uma fotobiografia);
- a quase total ausência de referências aos autores das mesmas (até a célebre foto de JA com o cravo na mão, do espectáculo do Coliseu, surge identificada apenas como parte de uma "colecção particular", quando em todos os outros livros em que aparece - num deles até é a foto da capa - é atribuída a Joaquim Lobo);
- vários nomes e datas trocadas nas legendas das fotos (p. ex: na p. 147, Carlos Salomé é identificado como sendo o irmão Janita; na p. 156, a legenda refere o mesmo Janita, mas quem lá está é o Carlos Mendes e o José Jorge Letria; na p. 159 a filha Helena é confundida com a mulher Zélia; etc.). Talvez não fosse muito grave noutro livro qualquer, mas este, repito, é uma fotobiografia!
- várias inexactidões nas imensas citações feitas ao longo do livro, cujas datas ou estão incorrectas, ou não correspondem aos autores a quem são atribuídas;
- e por aí adiante...
Trata-se, evidentemente, de um livro interessante, mas tendo em conta toda a pompa e circunstância que rodeou o lançamento, esperava-se maior cuidado na sua elaboração.
Já agora também lamento que, nas várias notas de imprensa que li sobre o livro nenhuma delas refira as questões que acabo de enunciar. Enfim, sinais dos tempos e do jornalismo ligeiro que temos...
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