Londres, 1970, talvez. José Afonso gravava Traz Outro Amigo Também nos estádios da Pye. Ao lado, os Status Quo registavam o segundo álbum, Spare Parts mas tinham de o interromper de quando em quando para não prejudicar o andamento mais sereno de Zeca. Dois jovens técnicos tratavam do Zeca e do Bóris. E nem quando verteram um copo de café no gravador ficaram aflitos. Aflitos ficavam quando amiúde José Afonso tinha de interromper a gravação porque se esquecia da letra do que estava a cantar.
Londres fervilhava. Era o fim dos Beatles, do «Chelsea Drugstore» que os Stones cantavam, o aparecimento dos skinheads, a morte lenta dos hippies, da Carnaby Street e de King's Road.
Mas havia outros motivos de interesse. Para Londres convergiam os exilados políticos de outros países, nomeadamente do Brasil. Entre eles, Gilberto Gil e Caetano Veloso que cedo conviveram com Zeca.
Nos intervalos das gravações, o Zeca jogava judo comigo em casa da Nina, em Oakley Street, no coração de Chelsea. A irmã, Manuela, cuidava das moedas no meter para não faltar a electricidade. O seu companheiro, José Labaredas, homem bom do Couço, amigo do Zeca, cantador de fados de Lisboa, assistia. Todos juntos éramos uma família. Faltava Rui Pato, meu vizinho da instrução primária em Coimbra. Por causa da crise académica de 1969, onde fora um dos dirigentes estudantis, a PIDE não o deixara sair do País.
Uma noite, fomos todos jantar a um dos restaurantes portugueses de Beauchamp Place, mesmo ao lado do Harrods. Ou foi no Fado ou na Caravela, já não me lembro. Eu, o Zeca Afonso, o Zé Labaredas, a Nina, a Manuela, a Milu, todas irmãs, o Gilberto Gil e o Caetano Veloso. Caldo-verde lembro que comemos.
No meio dos pastéis de bacalhau, Caetano Veloso confessou que estava atrapalhado. Os seus amigos do Brasil perguntavam-lhe como era a vida em Londres. Ele queria responder com uma canção, mas não sabia como.
E foi nessa noite londrina, num recanto bem português, que José Afonso trauteou o que viria a ser o famoso «London London» de Caetano Veloso. Sem créditos, a não ser para os que assistiram ao parto da canção.
Luís Pinheiro de Almeida
1 Comment:
Fantástica essa história! Quem suspeitaria dessa insólita "parceria"? Seria desejável que agora alguém pedisse confirmação ao Caetano.
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