13 de julho de 2006

Antena 2: porquê a suspensão/extinção dos programas de autor?

Desde o passado dia 1 de Julho e até meados de Setembro, os ouvintes da Antena 2 não podem contar com os programas de autor que estavam habituados a ouvir. Enquanto radiófilo e ouvinte fiel de alguns desses programas, cumpre-me perguntar: porquê esta prolongada suspensão, quando alguns deles se iniciaram há apenas seis meses? Há mais de uma década que acompanho a Antena 2 com alguma atenção e nunca assisti a nada do género. Nem no ano passado, em que também houve uma reformulação da grelha na mesma altura, se foi tão longe pois os programas de autor continuaram a ser emitidos durante o período estival. Para mim, é totalmente absurda e descabida esta opção programática. Tratando-se de programas pré-gravados nunca poderá ser invocado como motivo para o seu interregno o período de férias dos respectivos autores. Então, que luminosa ideia terá surgido na cabeça de Rui Pêgo e do seu adjunto João Almeida para a tomada de uma medida tão estrambólica e inusitada no canal cultural da rádio pública? Será que terão pensado que durante o Verão não há ouvintes a sintonizar a Antena 2 porque vão todos de férias para fora. E logo dois meses e meio seguidos! Os ouvintes da Antena 2 que, por opção ou por contingências de vária ordem, ficam cá dentro não contam para nada? Esses não têm direito ao serviço público? Quem por acaso perder algum programa do seu interesse por se ter ausentado não tem sempre a possibilidade de o ouvir no arquivo de programas disponível na internet? Rui Pêgo, um homem com largos anos de experiência em rádio, sabe perfeitamente que as constantes reformulações da grelha de uma estação, além de não favorecerem a criação de hábitos de escuta, ainda afectam as relações de fidelidade e afecto entretanto geradas entre os ouvintes e os programas da sua preferência e, como tal, a medida ainda se torna mais incompreensível e ademais havendo um propósito anunciado de aumentar as audiências do canal. A meu ver, em vez da supressão dos programas de autor devia acontecer era justamente o contrário, ou seja, um reforço da componente cultural e humanística porque é precisamente no período de férias que muitos ouvintes têm mais disponibilidade não só de tempo como mental para fruirem determinados programas que o lufa-lufa do dia-a-dia impediu de ouvir com a devida atenção. Aliás, o director anterior, João Pereira Bastos, tinha a perfeita noção deste facto e aproveitava o período de férias dos radialistas que realizavam programas em directo para resgatar do arquivo os programas que mais interesse haviam suscitado junto do auditório. Por exemplo, quando Jorge Rodrigues ia de férias, podia-se re(ouvir) o excelente "Questões de Moral" no horário do "Ritornello". E que bem que sabia voltar a ouvir com outra calma e com outro vagar um programa que apela à reflexão e que constitui um dos momentos superlativos proporcionados pela nossa rádio. O programa de Joel Costa não foi o único a sofrer com esta razia mas tratando-se do melhor programa da Antena 2 (e sei que não sou o único a perfilhar esta opinião), a sua ausência ainda se faz sentir com maior acuidade. A grelha agora no ar é tão pobre e cinzenta que não tem muito mais para oferecer que longos alinhamentos musicais, muitas vezes feitos de forma casuística e sem uma coerência de estilo, época ou forma composicional. Quer dizer: a Antena 2 está a fazer praticamente o mesmo que fazem as rádios-playlist, só que em vez de ser com pop-rock é com música clássica e jazz. Ressalvo o novo espaço de entrevista da responsabilidade de Luís Caetano e Ana Paula Ferreira intitulado "Figura de Estilo", e que vai para o ar entre as 19:00 e as 20:00h. É confrangedor constatar como a Antena 2 tem vindo, gradualmente, a ser despojada da componente cultural e formativa – que devia ser a sua vocação primeira – e a ser reduzida a uma espécie de 'jukebox' fornecedora de música e pouco mais do que isso. Neste âmbito, há uma interrogação que me inquieta: dos programas de autor agora suspensos quais os que vão garantidamente regressar à antena em Setembro? Pois é! Sempre é mais fácil extinguir um programa do agrado do público depois de uma longa ausência do que matá-lo de forma abrupta. Espero bem que o imperdível "Questões de Moral" não seja um deles. Resta-me lançar um apelo a quem de direito: não destruam o serviço público de rádio, por favor.

Álvaro José Ferreira

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