17 de julho de 2006

Como no Amar la Tierra, Compañero?

Março aconteceu chuvoso em 1985. Vestia­-se de cinzento à cidade quando a atravessei, emocionado, rumo ao hotel. E o caso não era para menos: tinha chegado Atahualpa Yupanqui!
Era chegado um tempo de pampa e de milongas na voz e na guitarra de um dos maiores trovadores de todos os tempos, um verdadeiro símbolo do canto e da luta dos povos latino­-americanos. Daí a emoção do encontro...
Atahualpa falava com supreendente vivacidade e entusiasmo própria de um veterano «payador» sobre memórias dispersas de vivências, chamando para a conversa amigos e companheiros como a chilena Violeta Parra, o cubano Carlos Puebla, o uruguaio Daniel Viglietti e o brasileiro Chico Buarque, entre outros, todos eles cidadãos de uma só pátria - a da libertação do homem!
A dada altura, Atahualpa estendeu-me uma folha de papel pautado, dizendo: «Escrevi este poema para o José Afonso e gostava de lho poder entregar pessoalmente mas tal não me vai ser possível. Agradeço-te que lho envies...»
Enviei. Esclarecendo o Zeca de que se tratava do original (conforme repetida insistência do próprio Atahualpa Yupanqui) e de que iria procurar, por todos os meios, divulgá-lo o mais amplamente possível como tinha sido expressamente desejado pelo seu autor.
Os tempos passaram. Das andanças do Zeca sempre fomos sabendo. E de Atahualpa Yupanqui uma ou outra notícia dispersa. E ontem a da inevitável partida física do trovador Yupanqui. Num momento de partida antecipo uma chegada imaginada: nesta altura, para onde quer que tenham ido, o Zeca e o Atahualpa. Já se encontraram. Com o velho índio a dizer: «Te abrazo, hermano, y ai combate vamos. Somos hechos de lúz y polvareda.»

Mário Correia




Ya no estoy en tu piedra, hermano José Afonso
Como un viento de mim pampa
llegué lleno de cantos enamorados y salvages.
Aqui quedan algunos, cerca de tus olivos.
Junto a los rios, trepando calles
y caminos duros. Duros como los hombres y las cosas.
Como no amar la tierra, compañero?
si en el aroma fuerte de la hierba
te saluda en la tarde la paloma escondida.
La mano del amigo es tu estandarte.
Tan hondo como el mar es el amor del pueblo.
Donde quiera que vayas, la poesia amanece
como uma novia inacabable y tierna.
A mi América vuelvo, José Afonso.
Te abrazo, hermano, y al combate vamos.
Somo hechos de lúz y polvareda.

Atahualpa Yupanqui
9 de Marzo 1985

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