Encontrámo-nos no mar alto. Ambos vindos de África. Eu, de Angola onde, com o pretexto que me calhava ao gosto, de fluir feitiços africanos escapados à ganância evangelizadora dos missionários, ia em missão de tratos conspiratórios que a Pide farejava no cerco das andanças. O Zeca, de Mocambique, onde a sua voz de gorgolejos de água fora com a Tuna Académica, humedecedor com toadas saudosas de Coimbra corações endurecidos pela faina de enriquecer a expensas do indigena. O encontro foi de impacto mágico. Noctivago, por conseguinte. Enlevos, sonhos e indignação contra a mordaça com bota de elástico, exaltações vividas noite fora por um pequeno grupo que só recolhia ao camarote quando o raiar da manhã aureoleava o ritual da baldeação que nos expulsava do convés.
Recordo-o ali entre um apaixonado estar presente e um desprendimento de não estar. Era belo. Mas o pudor de o ser ornava-lhe a cabeça de grego desleixado. Parecia que se envorgonhava da beleza do seu rosto talhado pela medida ouro. A alma, essa porém expunha-se quando nos fazia ouvir o correr do seu sangue para a Poesia.
A sua demanda de cavaleiro da Causa que os fantoches do viver por viver, dizem ser coisa perdida.
Em Lisboa chegaram-me os seus versos com uma pergunta. Ele queria saber se em minha opinião aquilo era publicável. Perplexa interroguei-me: mas então aquele génio da poesia cantabile não sabia que os fados o tinham predestinado para despertar a adormecida origem do nosso lirismo na recomposição das núpcias do canto e do poema?! Foi o que lhe respondi por outras palavras: Publicáveis? Não. Melhor do que isso. Cantáveis.
E de que maneira o foram, feitos sustento do anseio revolucionário que, se não for impulso da poética da libertação acaba sempre no bolso dos abutres dos Termidores.
Recordo-o ainda nas ferventes noites alentejanas em que envolvidos no coral enluarado dos homens da planicie, emparelhávamos em estampidos de revolta cantada e recitada, o Zeca, o Adriano e poetas do claro grito da indignação, entre os quais eu, como fêmea guerrilheira da palavra libertária fruia o piropo alentejano de ai filha de um real cabrão! que a urbanidade ensossa toma por ofensa E nessa maré de vozes concertadas no esconjuro dos vampiros boiava a voz andrógina do Zeca, como uma estreia de cantos acesa pelo que sufocadamente remanesce no coração do povo das antigas idades em que todos eram irmãos no reino da Mãe Natureza.
Alinhei imagens que a minha memória selectiva elege das muitas que guarda de um convívio persistentemente afectivo apesar de entrecortado pela sua errância residencial desde Coimbra até fixar-se em Setúbal.
Foi-me tremendo saber que as Parcas lhe teciam o fim. Ciosos dos que amam, os deuses encomendaram-lhes o tecer fatal. Porque o Zeca era jovem. Não o era nos anos? Sei lá com que idade morreu. A única juventude que me deslumbra é a que tem o dom de encantar. E ele encantava cantando.
Porque cantar e encantar são uma só coisa na arte de fazer ascender os corações em que o canto sortilegamente se derrama, àquele ponto espiritual do sentimento de todos serem Um.
Recordo-o ali entre um apaixonado estar presente e um desprendimento de não estar. Era belo. Mas o pudor de o ser ornava-lhe a cabeça de grego desleixado. Parecia que se envorgonhava da beleza do seu rosto talhado pela medida ouro. A alma, essa porém expunha-se quando nos fazia ouvir o correr do seu sangue para a Poesia.
A sua demanda de cavaleiro da Causa que os fantoches do viver por viver, dizem ser coisa perdida.
Em Lisboa chegaram-me os seus versos com uma pergunta. Ele queria saber se em minha opinião aquilo era publicável. Perplexa interroguei-me: mas então aquele génio da poesia cantabile não sabia que os fados o tinham predestinado para despertar a adormecida origem do nosso lirismo na recomposição das núpcias do canto e do poema?! Foi o que lhe respondi por outras palavras: Publicáveis? Não. Melhor do que isso. Cantáveis.
E de que maneira o foram, feitos sustento do anseio revolucionário que, se não for impulso da poética da libertação acaba sempre no bolso dos abutres dos Termidores.
Recordo-o ainda nas ferventes noites alentejanas em que envolvidos no coral enluarado dos homens da planicie, emparelhávamos em estampidos de revolta cantada e recitada, o Zeca, o Adriano e poetas do claro grito da indignação, entre os quais eu, como fêmea guerrilheira da palavra libertária fruia o piropo alentejano de ai filha de um real cabrão! que a urbanidade ensossa toma por ofensa E nessa maré de vozes concertadas no esconjuro dos vampiros boiava a voz andrógina do Zeca, como uma estreia de cantos acesa pelo que sufocadamente remanesce no coração do povo das antigas idades em que todos eram irmãos no reino da Mãe Natureza.
Alinhei imagens que a minha memória selectiva elege das muitas que guarda de um convívio persistentemente afectivo apesar de entrecortado pela sua errância residencial desde Coimbra até fixar-se em Setúbal.
Foi-me tremendo saber que as Parcas lhe teciam o fim. Ciosos dos que amam, os deuses encomendaram-lhes o tecer fatal. Porque o Zeca era jovem. Não o era nos anos? Sei lá com que idade morreu. A única juventude que me deslumbra é a que tem o dom de encantar. E ele encantava cantando.
Porque cantar e encantar são uma só coisa na arte de fazer ascender os corações em que o canto sortilegamente se derrama, àquele ponto espiritual do sentimento de todos serem Um.
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