22 de fevereiro de 2007

Um amigo, também | SIC online

Esta sexta-feira, dia 23, completam-se 20 anos sobre o desaparecimento de Zeca Afonso. Porque o cantor vive. A sua música não deixa de nos acompanhar; vive porque a data vai assinalar-se em todo o país, com um sem número de eventos e espectáculos. Zeca Afonso, figura marcante da música portuguesa foi também um homem de dúvidas, de perguntas e intervenções.

Não admira que Portugal celebre Zeca quando passam 20 anos sobre a sua morte. Portugal celebra Zeca sempre que há um motivo para falar dele, e este número redondo que agora passa é uma excelente oportunidade para lembrar e reviver as facetas e a música do cantor de intervenção. O sobrinho do presidente da Câmara Municipal de Belmonte viveu a norte as mais profundas raízes do Salazarismo, e cedo se revoltou contra o "ismo" que ensombraria o país durante quase meio século. Antes, já Zeca tinha vivido entre Aveiro e Lourenço Marques, mas também em Angola. Nada foi pior do que o ano em que vestiu a farda da Mocidade Portuguesa, disse um dia. Por causa do tio - admirador de Salazar, de Franco e de Hitler. Nos anos 40 rumou a Coimbra; consigo levou o canto. Inicia-se nas serenatas e não falta às festas da aldeia. O fado de Coimbra faz também parte de um repertório rico e cantado com garra. 'Baladas de Coimbra' é o primeiro disco que grava. Zeca Afonso não temeu nada nem ninguém, e enfrentou uma época conturbada com a guitarra na mão. É com a música que responde aos problemas... Detido pela PIDE, expulso da escola onde dava aulas, preso em Moçambique por ser anticolonialista. A actividade política causa-lhe tantos transtornos que o nome Zeca Afonso começa a ler-se, na imprensa, de trás para a frente, num anagrama que esconde a verdadeira identidade do cantor de intervenção. O esforço vale a pena. 'Grândola Vila Morena' fica imortalizada no 25 de Abril de 1974, e Zeca arrecada prémios com baladas e canções. Recusa outros. Como o da Ordem da Liberdade, a mesma que ele procura mas que não aceita como gratificação. O fim dos anos 70 faz-se a cantar, já com o apoio a Otelo para a Presidência da República, mas os anos trazem-lhe a doença que viria a ser fatal. Cada vez mais doente, Zeca vai deixando de se ouvir, e os últimos concertos que dá são em 1983, nos Coliseus de Lisboa e do Porto. Talvez Zeca fosse menos ídolo se não tivesse aliado à música a intervenção política. Talvez. Mas o conteúdo dos seus temas é, em si mesmo, uma resposta, uma pergunta, um clamor para chegar a todos. Uns se zangam, outros reganham ânimo. Vinte anos após a fatalidade, as músicas são repetidas e não deixamos de querer ouvi-lo. Rotularam-no com o epíteto de comunista, e em nome disso o depreciaram. Raros serão, contudo, os que lhe negam competência na História e Música que (nos) fez escutar. Da 'Balada de Outono' às 'Galinhas do Mato', eis um José Afonso presente, activo e com muito para dizer a cantar. Voz melodiosa e dicção perfeita, marca os ritmos com um tom impossível de copiar. Passam 20 anos sobre a música e o canto de José Afonso, tornado lenda como as que ele próprio imortalizou em verso e timbre. Venham mais cinco ou mais 10, os anos que forem precisos. Zeca não foi efémero. Por isso se tornou imortal.

Graça Costa Pereira
Editora de Cultura
opiniao@sic.pt

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