Composto de três estrofes de seis versos cada uma, o texto marca-se pelo predomínio da forma fixa, valorizando a sonoridade das rimas, inclusive, as internas. O traço fundamental da composição é a repetição, tanto na forma da estrofe, métrica e ritmo, como em sua estrutura sintática e recursos da camada sonora, como assonâncias, aliterações. A repetição em todos os níveis cumpre a função de provocar o estado de sonolência e, à semelhança das cantigas de acalanto, apresenta o ritornelo que embala o sono, pois a repetição tanto sintática quanto semântica provoca o entorpecimento dos sentidos e adormece a criança:
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada -
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela -
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não -
No comboio descendente
De Palmela a Portimão...
(Idem, p.17)
Mais que a representação de uma viagem de comboio, alegre e barulhenta, de certa forma longa, entre Queluz e o balneário de Portimão, o poema trata, alegoricamente, do processo de adormecimento, pois, na verdade, descendente é a animação dos viajantes. Na primeira estrofe, o clima é de alegria e a camada sonora do texto encarrega-se de marcar esse aspecto, como podemos observar nas aliterações no verso De Queluz a Cruz Quebrada, que, pela repetição da oclusiva velar surda /k/, e pela rima interna /Queluz/ Cruz/, além dos encontros consonantais /kr/ e /br/, materializam o barulho e a confusão reinantes no comboio. Na segunda estrofe, no trecho da viagem entre Cruz Quebrada e Palmela, como a camada fônica pode mostrar, já impera certa calma e, na terceira, há uma quebra de expectativa, pois o eu poético rompe a construção paralelística que vem adotando e, em vez de repetir a estrutura dos versos anteriores /Vinha tudo.../ Vinham todos.../ interpõe um outro, de sentido irônico, cujo significado é avesso ao veiculado pelo significante: /Mas que grande reinação!/; a ironia é aclarada pela leitura do verso seguinte: Uns dormindo, outros com sono. Finalmente, o último verso /De Palmela a Portimão/, cuja camada fônica é marcada pelo predomínio da nasalidade, pode configurar, no plano do significante, a quietude do ambiente e a serenidade dos passageiros, todos, agora, adormecidos. No plano lexical, o emprego de palavras e expressões coloquiais, reinações e dar trela, indica a valorização da linguagem infantil.
Fernando Pessoa e Cecília Meireles: o encontro entre poesia e criança
Alice Áurea Penteado Martha 2005
Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid
http://www.ucm.es/info/especulo/numero30/pessmeir.html
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada -
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela -
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não -
No comboio descendente
De Palmela a Portimão...
(Idem, p.17)
Mais que a representação de uma viagem de comboio, alegre e barulhenta, de certa forma longa, entre Queluz e o balneário de Portimão, o poema trata, alegoricamente, do processo de adormecimento, pois, na verdade, descendente é a animação dos viajantes. Na primeira estrofe, o clima é de alegria e a camada sonora do texto encarrega-se de marcar esse aspecto, como podemos observar nas aliterações no verso De Queluz a Cruz Quebrada, que, pela repetição da oclusiva velar surda /k/, e pela rima interna /Queluz/ Cruz/, além dos encontros consonantais /kr/ e /br/, materializam o barulho e a confusão reinantes no comboio. Na segunda estrofe, no trecho da viagem entre Cruz Quebrada e Palmela, como a camada fônica pode mostrar, já impera certa calma e, na terceira, há uma quebra de expectativa, pois o eu poético rompe a construção paralelística que vem adotando e, em vez de repetir a estrutura dos versos anteriores /Vinha tudo.../ Vinham todos.../ interpõe um outro, de sentido irônico, cujo significado é avesso ao veiculado pelo significante: /Mas que grande reinação!/; a ironia é aclarada pela leitura do verso seguinte: Uns dormindo, outros com sono. Finalmente, o último verso /De Palmela a Portimão/, cuja camada fônica é marcada pelo predomínio da nasalidade, pode configurar, no plano do significante, a quietude do ambiente e a serenidade dos passageiros, todos, agora, adormecidos. No plano lexical, o emprego de palavras e expressões coloquiais, reinações e dar trela, indica a valorização da linguagem infantil.
Fernando Pessoa e Cecília Meireles: o encontro entre poesia e criança
Alice Áurea Penteado Martha 2005
Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid
http://www.ucm.es/info/especulo/numero30/pessmeir.html
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