“José Afonso é mais do que um capitão de Abril, é um libertador de consciências”. São palavras dos responsáveis do Teatro da Rainha, entidade que vai homenagear o cantor nos serões dos dias 25, 26 e 27 de Outubro. “Fura Fura” assim se designa o tributo a Zeca Afonso que vai decorrer nas instalações do Teatro da Rainha (ex-Ual).A 25 de Outubro irá actuar o grupo de danças e cantares Mezzo Ensemble da qual fazem parte Luísa Ortigoso, Carlos Azevedo e Paulo Neves. No dia seguinte, a grupo Couple Cofee (Luanda Cozetti, Norton Daeillo, Sérgio Zurawski e Ruça Rebordão) apresentará o espectáculo “Co’as tamanquinhas do Zeca”. João Afonso com João Lucas (ao piano) encerram o tributo a 27 de Outubro com o concerto “Um Redondo Vocábulo”.Na sala-estúdio do Teatro da Rainha vai estar presente a exposição “Nove Capas p’ró Zeca” da autoria de José de Santa-Bárbara. A abertura da mostra está prevista para as 18 horas de 25 de Outubro.Este concerto é uma iniciativa do Teatro da Rainha que conta com o apoio da autarquia e com a colaboração de Helena Afonso, a filha mais velha de Zeca Afonso.Para mais informações e reservas contactar os tel. 262823302 ou 966186871. Os bilhetes para um dia custam 10 euros e para os três dias 25 euros, mas há descontos para estudantes e para quem pertence à Liga dos Amigos da Rainha.
Natacha Narciso | Gazeta das Caldas
Natacha Narciso | Gazeta das Caldas
PROGRAMA
1. - NOVE CAPAS PR’Ó ZECA
Capas e estudos gráficos de José Santa-Bárbara para os discos de José Afonso
Fotografias de Patrick Ullmann
Materiais sonoros: canções e conversas - inéditos de José Afonso - realizados em gravações rudimentares, na Beira, Moçambique.
2. - O ZECA NAS CALDAS
Documentos e fotografias da Associação José Afonso, Francisco Carrilho, Joaquim Lobo, José Nascimento e Rosa Cerqueira
3. - "ANDARILHO, POETA E CANTOR"
Vídeo realizado por Rogério Ribeiro
CONCERTO pelos “Mezzo Ensemble” (hoje)
O grupo forma-se a partir da vontade de fazer este espectáculo. Três músicos e uma actriz que dá a voz a cantar. É um ensemble que resulta dos caminhos de cada um, que se encontram na perspectiva musical da alma do projecto (Carlos Azevedo).
“Danças e Cantares” é um espectáculo de homenagem a Zeca Afonso. A sua música e poesia redimensionadas no seu primeiro clamor: a liberdade. Liberdade de interpretar. Liberdade de harmonizar. Liberdade de improvisar.
Homenagem a Zeca Afonso pela constante tentativa de universalização da música e do homem.
Duas danças (da autoria de Carlos Azevedo, o director do projecto) e sete cantares (de Zeca Afonso) fazem parte deste espectáculo.
Os músicos:
Carlos Azevedo – piano
João Paulo Courinha – saxofones
Paulo Neves – contrabaixo
A voz:
Luísa Ortigoso
Couple Coffee - dia 26 (amanhã)
Co'as tamanquinhas do Zeca
João Afonso e João Lucas - dia 27 (sábado)
Um redondo vocábulo
Fura, Fura por Fernando Mora Ramos
José Afonso é mais que um capitão de Abril, é um libertador de consciências. A sensibilidade é, como se sabe, um território de máxima ambiguidade. No que toca à sensibilidade artística é o reino da ausência de um ponto de vista, de um posicionamento e vai a par com aquela vaga noção de que em matéria de gosto cada um tem o seu.
Como se sabe não é assim. O gosto educa-se e quando ele é apenas educado pela força das estruturas de conformação das criaturas, da escola à família, hoje forças secundárias face ao Grande Educador televisão, logo se percebe que quem gosta, gosta do que pode ou gosta do que comeu, por assim dizer. Neste particular José Afonso é um caso paradigmático, a sua sensibilidade, o que transportam as suas canções e poesias como mundo e singularidade, introduziram na cultura portuguesa contemporânea algo de disjuntivo e vital. Desde as canções de amor, referidas ao amor cortês dos cancioneiros, à marrabenta moçambicana, passando pela incursão surreal no imaginário popular português, assim como a prática do “desvio” de que é um exemplo claro a canção “Os vampiros”, um falar ao lado para falar da coisa, tudo este poeta da voz tocou com magia melódica, ritmo vital e subtileza popular e erudita – ele é um representante da divisa “Elitário para todos” que Vitez, o encenador francês, um dia escreveu.Tocou também o teatro, sendo conhecida a incursão brechtiana, na Beira, em Moçambique, realizando as canções de “A excepção e a regra”, peça didáctica de Bertolt Brecht, esse desmistificador do Grande Costume, o tal que sempre afirma que “as coisas são como são e assim serão” e que o senhor Keuner, essa figura dialéctica, sempre desmistificou, sendo célebre a anedota: o senhor está na mesma, disseram. O senhor Keuner corou. Na realidade José Afonso é para nós um alimento constante, uma sombra que luz, um de nós, aquele que procurou a fraternidade na terra, o que lhe trouxe engulhos, mesmo uma ligeira mania depressiva, que a Velha Senhora impunha ao expandir o medo, essa doença que o cantor sempre quis expulsar de cabeças e corpos. Contra o medo, eis um lema. Medo que anda aí de novo, a espreitar brechas possíveis, a tornar-nos bem comportados, passivos, mortos.Fura Fura, iniciativa do Teatro da Rainha com o apoio da câmara Municipal de Caldas da Rainha e a colaboração de Helena Afonso, filha mais velha do Zeca, pretende isso: abrir brechas, cavar na ferida desse silêncio feito de tantos décibeis que hoje impera, ruído que oprime, um sentido que vitalize novos caminhos do desejo, caminhos que possam ser irmanados.Como a toupeira: fazendo e desfazendo galerias, longe da luz mas perto das mentes, lá onde um clic desperta nova vida, para que um dia a derrocada se faça a favor da verdadeira liberdade, aquela que permite a subjectividade, o gosto informado, o diálogo consistente, a democracia qualificada. Contra o circo romano imperial, esse em que os vampiros que despedaçam os indefesos da terra têm capacetes com visão nocturna.FURA FURA é esse encontro que faltava pela fraternidade real, sem velinhas, nem isqueiros, olhos nos olhos, palavras, escuta rigorosa e UTOPIA prospectiva, poesia
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