3 de maio de 2006

Adriano Correia de Oliveira: um grande cantor silenciado na rádio pública



Muita gente – eu incluído – se lamenta da qualidade da música que passa na rádio portuguesa e do facto de tanta e boa música que se faz (ou se fez) não chegar à luz do éter. São muitos os artistas de talento atingidos, mas no caso de Adriano Correia de Oliveira o silêncio dói ainda mais, justamente por se tratar de um dos nomes maiores da música portuguesa de sempre. Pessoalmente, não é pelo facto de a rádio não o passar que deixo de o ouvir sempre que me apetece porque felizmente tenho na minha discoteca uma caixa com a sua obra completa. Devo confessar que foi a rádio – mais concretamente a Antena 1 – que mo deu a ouvir pela primeira vez quando passou a "Trova do Vento que Passa" (salvo erro, no programa "Retratos", de Ana Aranha). Nesses anos 90, já o grande cantor não pertencia ao número dos vivos, mas foi tal o fascínio que aquela voz cristalina e de uma beleza ímpar me causou que fui logo à procura de outras músicas suas. A primeira aquisição foi uma antologia a que se seguiu a referida caixa, editada pela Movieplay, com 7 CDs organizados tematicamente por José Niza (autor da música de alguns dos mais belos temas de Adriano e também da letra de "E Depois do Adeus" imortalizada por Paulo de Carvalho). Escusado será dizer que Adriano Correia de Oliveira se tornou um dos meus cantores de culto e, tal como eu que o descobri pela rádio há uma dúzia de anos, não duvido que aconteceria o mesmo com muitos jovens de agora se a rádio o passasse. A este propósito, gostei que Paulo de Carvalho, na última edição do "Viva a Música", tivesse lamentado o ostracismo a que a rádio portuguesa tem votado o grande Adriano Correia de Oliveira dizendo muito propositadamente que, apesar de ele já não se encontrar entre nós, existe a obra - uma obra sublime, acrescento eu. Por tudo isto, solidarizo-me com a indignação manifestada por Paulo de Carvalho e apreciei a homenagem que fez a Adriano ao recuperar "Cantar de Emigração", um dos seus temas emblemáticos.
A este propósito, impõe-se a pergunta: por que razão é que Adriano Correia de Oliveira não passa actualmente na Antena 1 e na Antena 3, ao contrário que acontece com António Variações que morreu, mais ou menos, na mesma altura? Não queria ser indelicado mas, quando se decide silenciar Adriano Correia de Oliveira na rádio pública, a razão de fundo só pode ser a ignorância e ou a falta de sensibilidade musical.
Em agradecimento a Adriano Correia de Oliveira por tantas e belas canções que nos deixou, fica aqui a letra da minha preferida:


Fala do Homem Nascido

Poema: António Gedeão
Música: José Niza


Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci

Trago boca p'ra comer
e olhos p'ra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr

Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham

Quero eu e a Natureza
que a Natureza sou eu
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu

Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à Estrela Polar

Álvaro José Ferreira

2 Comments:

Anónimo disse...

É uma "velha" questão que tem a ver com os critérios seguidos na escolha das músicas que passam na rádio. Dito de outra forma, os critérios são "determinados" pelas "play-lists" que, por sua vez, são feitas por radialistas e editoras que ganham com o negócio. Na rádio comercial, este "sistema" é tolerado, pois de outra forma não haveria anunciantes. Na rádio pública, o sistema deveria ser diferente. Daí, a recente lei de música portuguesa na rádio que pretende equilibrar as quotas (25%). Restam os radialistas...será que eles gostam do que nós gostamos?

Anónimo disse...

Estou plenamente de acordo com o texto. Tive o privilégio de ver ao vivo o Adriano e continuo a considerar que foi uma das grandes vozes do século XX. Morreu cedo e pelo silencio querem esquece-lo. Não pela voz , mas pelo que cantou e pela causa que a voz abraçou.Ele não morreu pois só morre quem é esquecido.Em em 2007, 25 anos após a sua morte, vamos provar isto.